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O sabor da memória: como a comida desperta emoções e influencia a nossa saúde mental

26/10/2025 06:01 O Globo - Rio/Política RJ

Já aconteceu de você sentir um sabor ou um aroma específico e, na mesma hora, aquilo despertar uma lembrança repentina ou um súbito conforto? Pode ser um cheiro de alho dourando na panela que lembra o tempero da comida de alguém especial, um bolo de fubá que remete aos cafés de domingo, uma sopa que aquece como nos dias frios ao lado da família, um doce que tem gosto de infância. Especialistas explicam que o olfato e o paladar estão intimamente ligados às regiões do cérebro responsáveis pela memória e pelas emoções. Esse caminho ajuda a explicar por que comer mobiliza tantos sentimentos profundos.
Da ficção à neurociência: o elo real entre comida e memória
Recentemente, a relação entre comida e afeto na ficção ganhou destaque na minissérie coreana “Bon appétit, Vossa Majestade”, disponível na Netflix. O drama mostra como os sabores podem funcionar como gatilhos emocionais, unindo personagens, despertando lembranças e sentimentos. Tal como acontece na realidade, cada prato servido na trama pela cozinheira chef real vai além da nutrição: é um elo afetivo, carregado de histórias e significados.
Se na ficção os sabores funcionam como gatilhos de afeto, na vida real a ciência mostra que esse elo entre memória e comida tem uma base neurológica bem definida. Especialistas afirmam que o paladar e o olfato estão diretamente conectados ao sistema límbico, área do cérebro responsável pelas emoções e memórias.
— Quando sentimos um cheiro ou sabor familiar, o cérebro ativa regiões como o hipocampo e a amígdala, que armazenam memórias afetivas. É como se esses sentidos fossem atalhos diretos para a nossa “caixinha de lembranças”. Por isso, um simples aroma pode nos transportar imediatamente para um momento da infância ou uma lembrança marcante — afirma Aline Quissak, nutricionista, especialista em psicologia da alimentação, pesquisadora e CEO do Scanner da Saúde.
— Essa conexão é tão poderosa que usamos termos como “gosto de infância” ou “cheiro de casa de vó” sem pensar — completa, explicando que isso acontece rapidamente porque o bulbo olfatório, que processa o olfato, tem ligação direta para o sistema límbico, sem precisar passar por áreas mais racionais do cérebro.
Se por um lado o cérebro explica o fenômeno, por outro, as emoções dão cor a essa experiência, nem sempre com lembranças boas.
Segundo Cristiane Pertusi, psicóloga, psicoterapeuta, coach e presidente da Associação Brasileira de Terapia Familiar (ABRATEF), todas as nossas recordações ficam ligadas ao cheiro, o que significa que tanto coisas boas quanto as ruins podem ser revisitadas através do olfato.
— Na prática, muitos traumas ficam ligados ao cheiro. Por exemplo, ex-soldados que têm lembranças ao sentir o cheiro de pólvora ou uma mulher que foi assediada pode ter gatilhos por conta de algum cheiro específico — diz a psicóloga.
A comida como primeiro afeto
Mas o mesmo mecanismo que pode acionar lembranças traumáticas também desperta sensações de conforto e acolhimento. E é justamente na relação com a comida, desde a infância, que esse elo afetivo se revela de forma mais intensa, pois ela é o primeiro contato relacional que temos na vida.
— Quando somos bebês, o alimento é a primeira forma de prazer que experimentamos e isso não tem relação com saciedade. Até os 3 anos, a parte cognitiva da criança ainda não está 100% formada, então ela não entende o que é fome. Nessa fase, ela vê o alimento como algo que traz satisfação, resultando em uma sensação de conforto físico e emocional — explica Pertusi.
Por esse motivo, ao longo da vida, continuamos associando a comida ao conforto e acolhimento, porque essa é a primeira impressão que temos dela.
— Em momentos de estresse, nosso corpo busca conforto, e a comida entra como uma linguagem que o cérebro entende rápido: sabores conhecidos e afetivos ativam a produção de serotonina e dopamina, os “hormônios do bem-estar”. É como se o prato dissesse: "você está seguro, está em casa" — afirma Quissak.
É daí que vem o conceito de comfort food, do inglês: uma comida que traz aconchego, aquele prato que fala com o coração antes de falar com o estômago.
— Não tem a ver com glamour ou técnica sofisticada, mas sim com memória, com afeto. Pode ser um arroz com feijão, um pão de queijo, um chá de erva-doce… Tudo depende da vivência de quem come — explica a nutricionista.
Quando a comida vira terapia
Nesse sentido, a comida também pode ser uma aliada para o cuidado emocional. De acordo com Pertusi, existem várias práticas terapêuticas que envolvem o uso da comida, do olfato, das refeições e até do ato de cozinhar como uma ferramenta emocional. Geralmente, elas são aplicadas no formato de exercícios práticos, podendo ser usadas em terapias de casal ou até no trabalho com pacientes em luto.
— Para alguns casais, o ato de cozinhar juntos pode trazer efeitos positivos para o relacionamento. Além disso, em outros casos, fazer pratos que lembram um familiar que se foi pode ajudar a lidar com o luto — explica a psicóloga, ressaltando q

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