
De volta ao mapa da vergonha: crianças sem vacina
É inadmissível, mas está acontecendo: o Brasil voltou a figurar entre os 20 países com maior número de crianças não vacinadas no mundo. Somos agora o 17º colocado, segundo dados divulgados em julho pela Unicef e pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Estávamos fora dessa lista em 2023, quando demos sinais de recuperação nas coberturas vacinais. Mas, infelizmente, um ano depois, retrocedemos. Voltamos a ocupar um lugar entre as nações que falham em proteger suas crianças contra doenças evitáveis. É um alerta vermelho para a saúde pública brasileira.
De acordo com o levantamento, cerca de 14 milhões de crianças no mundo não receberam sequer uma dose de vacina. São chamadas de “zero dose”. Outras 6 milhões foram vacinadas apenas parcialmente, ficando também vulneráveis.
O estudo usa como referência a aplicação da DTP1 — vacina que protege contra difteria, tétano e coqueluche —, por ser considerada um marcador de acesso aos serviços de imunização de rotina. E os números que vêm do Brasil são preocupantes.
Em 2024, foram registrados mais de 7.440 casos de coqueluche no país. A doença é caracterizada por crises severas de tosse seca, que podem durar semanas e causar complicações graves, principalmente em bebês. A doença está reaparecendo com força.
O tétano também não desapareceu, apesar da falsa sensação de segurança. A vacina reduziu muito os casos, mas não eliminou a doença. De 2022 a 2024, o Brasil registrou 188, 205 e 219 casos, respectivamente. Quase todos entre adultos e idosos. O mais alarmante? A letalidade: entre 26% e 29%. Isso significa que 1 em cada 4 pessoas que contraem tétano morre.
Já a difteria, que não registra mortes no país desde 2017, continua sendo uma ameaça latente. Naquele ano, uma criança de 10 anos, vinda da Venezuela, morreu em Boa Vista (RR) — um lembrete brutal de que fronteiras sanitárias são frágeis, e que o Brasil precisa manter vigilância constante.
O que estamos vivendo é consequência direta da queda nas coberturas vacinais. Nenhuma das 17 vacinas infantis monitoradas pela OMS atingiu os 90% de cobertura no Brasil. A hesitação cresceu, alimentada por desinformação, fake news e discursos antivacina. Isso, somado à redução de recursos e à fragilização do Programa Nacional de Imunizações (PNI) — responsável por organizar e garantir o acesso gratuito às vacinas — gera o cenário perfeito para o retorno de doenças antes controladas.
Você já se perguntou por que os bebês tomam vacinas desde o nascimento? Os recém-nascidos correm maior risco de adoecer. É também o momento em que o sistema imunológico deles mais aprende com as vacinas. Quando atuava como pediatra, costumava explicar aos pais que uma criança é como um computador novo — sua “memória imunológica” está em branco, e as vacinas vão instalando as proteções contra vírus e bactérias perigosos, garantindo que o corpo esteja preparado para enfrentar doenças.
Vacinar é, sim, uma decisão individual — mas com impacto coletivo. Ao deixar de vacinar seu filho, uma família coloca em risco toda uma comunidade. E, no caso de doenças como sarampo, coqueluche e poliomielite, basta uma queda pontual de cobertura para o vírus circular novamente.
A imunização precisa voltar a ser tratada como prioridade — e não apenas quando há surtos ou emergências sanitárias. É frustrante ver o Brasil — País que já foi referência mundial em vacinação — recuar tanto. Mas ainda é possível mudar esse cenário. Precisamos de ações integradas entre governos, setor privado, profissionais de saúde, educadores e famílias. Campanhas de comunicação eficazes, reforço no PNI, capacitação das equipes de saúde e investimento contínuo são o caminho.
A vacina é uma das maiores invenções da humanidade. Proteger nossas crianças com elas não deveria ser negociável.
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