
Principal suspeita da polícia é que etanol comprado em posto e batizado com metanol foi usado em bebidas adulteradas
Duas semanas depois do início da crise do metanol, a Polícia Civil de São Paulo ainda não sabe a origem da substância que resultou na morte de cinco pessoas, além de 259 casos suspeitos (sendo 24 confirmados) em São Paulo, no Paraná e no Rio Grande do Sul. Até agora, a Vigilância Sanitária Estadual interditou 12 estabelecimentos e fiscalizou 23, mas as equipes ainda não chegaram à causa da contaminação. Segundo a Polícia Civil, a tese mais provável, neste momento, é de que galões de etanol comprados em postos de combustíveis e batizados com metanol foram usados para fabricar as bebidas adulteradas que provocaram a onda de contaminação pelo solvente.
O delegado Luís Augusto Storni, titular do Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania (DPCC), responsável pelos casos, explicou ao GLOBO que as investigações são preliminares e a origem do metanol ainda não foi descoberta. Mas, segundo ele, o uso de etanol já contaminado com a substância, comprado em postos de gasolina, é um dos cenários prováveis.
— De quem eles [falsificadores de bebidas] compram esse combustível? Eles compram onde for mais fácil e mais rápido para poderem fazer o produto deles. E qual é o lugar mais fácil e mais rápido pra comprar? O posto de gasolina — diz.
O secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, falou dessa hipótese duas vezes nesta semana, mas acrescentou que, por ora, não há evidências de envolvimento do crime organizado nas adulterações. Ao GLOBO, Storni afirma que um possível excedente de metanol no mercado, depois que operações recentes tiveram como alvo empresas de combustível ligadas ao Primeiro Comando da Capital (PCC), pode ter resultado na mistura excessiva de metanol nos postos, para dar vazão ao produto. A hipótese é apontada desde o início da crise pela Associação Brasileira de Combate à Falsificação.
— Pode (ter acontecido). Num posto de gasolina, por exemplo. Pode. Mas você concorda que o cara que tem a fábrica clandestina, ele comprou como sendo o etanol? Até porque o posto, teoricamente, não pode vender o metanol — diz.
Inicialmente, uma das linhas de investigação seria o uso do metanol na higienização de garrafas de bebidas falsificadas, deixando resquícios tóxicos no produto final. Mas, segundo Storni, nas garrafas de bebidas já periciadas foi encontrada uma porcentagem alta de metanol em comparação ao etanol, em torno de 36%, o que torna essa hipótese menos provável.
— Pela concentração que nós localizamos agora, não dá pra dizer que é fruto de lavagem de garrafa, nem mesmo das fábricas clandestinas. O percentual é muito maior. Nós havíamos feito essa suposição porque tivemos casos há uns quatro anos, em fábrica de cerveja, mas isso agora vai ficando mais em segundo plano — acrescenta.
Ele conta que o trabalho de investigação é complexo porque é necessário fazer o caminho contrário da contaminação: descobrir a substância encontrada nas pessoas contaminadas, onde elas ingeriram a bebida, qual foi a distribuidora que forneceu o produto para o comércio e a fábrica que produziu a bebida para só, enfim, chegar à origem de onde o metanol foi adquirido.
— Pela nossa experiência, a gente percebe que essas fábricas clandestinas são muito precárias e usam sempre o álcool, o etanol. Porque ele é um produto que faz com que eles possam falsificar a bebida, deixar mais barata e aumentar o lucro. Tudo leva a crer que eles compraram o etanol e receberam o metanol, sem saber. Pelo menos a nossa teoria preliminar é essa, mas não sabemos ainda, temos que continuar — pondera.
Durante coletiva de imprensa em São José do Rio Preto, na quarta-feira (8), Derrite também disse que as pessoas que adulteram bebidas alcoólicas podem ter comprado um galão de etanol já contaminado com a substância, até porque a adulteração de combustíveis com metanol é um crime muito mais comum no estado.
— Qualquer pessoa pode chegar lá (no posto de gasolina) com um galão de 20 litros e fazer a aquisição de um etanol. Esse etanol possivelmente estaria contaminado, e isso gerou essa onda de contaminações — disse.
As perícias que já foram concluídas permitiram excluir outra hipótese: a presença de metanol gerado naturalmente nas bebidas. O metanol é um subproduto do processo de destilação de bebidas alcoólicas, porque a fração inicial da destilação (“a cabeça”) é rica em metanol. Mas, na indústria, essa parte é descartada. Somente quando ocorre alguma falha nesse processo, esse metanol não é descartado e pode permanecer no produto final.
Após realizar a análise de dois lotes de garrafas apreendidas, a Polícia Científica de São Paulo concluiu, porém, que não foi esse o caso das bebidas já analisadas. Ficou constatado que o metanol foi adicionado em algum momento (seja no álcool usado na produção da bebida, seja na bebida já pronta) e não é produto da destilação natural.
Desde a semana passada, as Polícias Militar e Civil de São Paulo e a Polícia Federal têm deflagrado uma série de operações contra adulteração de bebidas alcoólicas.
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