
Pela primeira vez na história, acontece a ‘Copa do Doce de Leite’, que busca torná-lo patrimônio cultural global
Pela primeira vez na história, será realizado, nos dias 10 e 11 deste mês, o Fórum Mundial do Doce de Leite, reunindo produtores e especialistas de diversas partes do mundo. Há quem o produza em lugares tão distintos quanto a Tanzânia e o Japão. É o caso de Clara Comberti, que lançará a marca Tamoo em breve na Tanzânia, e do casal Graciela Ana Komatsu e Kenji Komatsu, que mantém uma queijaria em Hokkaido, no norte japonês.
Leia também: Menos de 1% da população mundial segue dieta saudável e sustentável para o planeta, alerta relatório
Do espaço ao asfalto: estudo mapeia emissões de carbono em 54 cidades, com São Paulo e Rio na lista
“O doce de leite é mais do que um desejo; é um convite à reflexão sobre identidade, indústria, inovação e cultura — sobre o que nos une por meio de um sabor que faz parte da nossa memória coletiva”, afirmou Ivana Nieto, presidente do Conselho Mundial do Doce de Leite, ao jornal argentino La Nación.
O Conselho foi oficialmente criado há dois anos e conta com representantes de 18 países, entre eles México, República Dominicana, Nicarágua, Colômbia, Equador, Brasil, Chile, Argentina, Uruguai, Espanha, França, Itália, Tanzânia, Japão, Cuba, Peru, Costa Rica e Panamá.
Nieto explica que o grupo trabalha de forma colaborativa, por meio de comitês e reuniões virtuais, “unidos por um objetivo comum: levar o doce de leite ao mundo e fazê-lo ser reconhecido por seu valor cultural, técnico e sensorial”. O objetivo é pesquisar, preservar e difundir o consumo do doce globalmente, valorizando seu papel histórico e gastronômico e assegurando uma produção segura e sustentável.
Com uma visão de médio prazo, o Conselho busca posicionar o doce de leite como um ícone gastronômico universal, promovendo políticas de proteção à sua produção e desenvolvimento, além de contribuir tanto para a segurança alimentar quanto para o prazer sensorial que ele desperta.
Tradição e inovação na Argentina
Na Argentina, a produção anual de doce de leite chega a cerca de 128 mil toneladas, das quais 3% são exportadas. Cada argentino consome, em média, 3,2 quilos por ano. No primeiro trimestre de 2025, as exportações atingiram 1.015 toneladas — um crescimento de 2% em relação ao ano anterior.
“Embora na indústria láctea argentina produtos como leite em pó e queijo liderem as exportações, acredito firmemente que disseminar a cultura do doce de leite pode abrir novas oportunidades de desenvolvimento e ampliar sua presença internacional”, disse Nieto.
Natural de Idiazábal, pequena cidade de Córdoba com cerca de 2 mil habitantes, Nieto é filha de produtores de leite. “Minha mãe fazia queijos e um doce muito especial com cascas de limão, usando métodos tradicionais. Esses sabores estão gravados na minha memória como uma mistura de carinho, paciência e trabalho duro”, relembra.
Formada em Engenharia de Alimentos em Villa María, Nieto trabalhou em um laboratório e, após se formar, ingressou no Instituto Nacional de Tecnologia Industrial (INTI), em um projeto financiado pela União Europeia para fortalecer a competitividade das pequenas e médias empresas do setor lácteo.
“Com o tempo, especializei-me em avaliação sensorial, uma ferramenta que permite aprimorar produtos, reduzir sal ou açúcar sem alterar o sabor esperado e entender como os consumidores percebem os alimentos”, explica. “Foi assim que cheguei aos concursos de queijos e doces de leite, onde descobri um mundo técnico e emocional que me fascinava. Nesse contexto, fui convidada a integrar o Conselho Mundial, um grupo de profissionais e entusiastas que busca promover o doce de leite como patrimônio cultural.”
Nieto acredita que o interesse crescente em produzir doce de leite fora da América do Sul está ligado não só ao negócio, mas também à preservação de laços afetivos e culturais com as tradições da infância.
Do Japão à Tanzânia: o doce que atravessa fronteiras
Graciela Ana Komatsu, nascida em Buenos Aires e filha de japonês, vive hoje no norte de Hokkaido. Arquiteta formada pela Universidade de Buenos Aires, é casada com Kenji Komatsu, engenheiro eletrônico. “Em determinado momento, ele se cansou do trabalho em uma empresa de software. Nos inscrevemos em um programa nacional para quem quer começar como pecuarista e agricultor. Os primeiros anos foram muito difíceis e, há cerca de quatro anos, decidimos começar a produzir doce de leite artesanal”, contou ela ao La Nación.
O casal vive em uma cidade de 5 mil habitantes. Graciela relembra que sua primeira tentativa não deu certo, mas Kenji conseguiu acertar o ponto logo depois. “A cultura culinária japonesa é muito diferente; eles não gostam de doces e não comem muito pão. A adoção é lenta”, diz.
Atualmente, o produto é vendido na fazenda e em locais como Sapporo, a maior cidade da região, e na província de Niigata, onde um restaurante local passou a oferecer sorvete com doce de leite argentino. O rótulo do produto leva o nome “Hokkaido Dulce de Leche – Argentine Dairy Farm”.
A cerca de 20 mil quilômetros dali, na Tanzâ
Fonte original: abrir