
Paradoxos de Trump: Imagem de 'grande pacificador' convive com lacunas em acordos e discurso militarista
“Acabamos com a guerra em Gaza e, de fato, criamos uma paz muito maior. E acredito que será uma paz duradoura, espero que seja uma paz eterna”, afirmou em júbilo o presidente dos EUA, Donald Trump, horas depois de Israel e Hamas concordarem com a primeira fase de seu plano para um cessar-fogo. O feito passou a engrossar a lista de “vitórias diplomáticas” do republicano e sua narrativa de “grande pacificador”. Mas além de questões em aberto sobre seus acordos — inclusive sobre Gaza —, a mensagem de paz contrasta com o discurso belicista destinado a outros países e até seus compatriotas.
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O que o presidente conseguiu na quarta-feira foi, de fato, um feito considerável. Ele usou a pressão americana sobre Israel para fazer com que o premier Benjamin Netanyahu aceitasse seu plano. Com o Hamas, além de ameaças e promessas de “Inferno na Terra”, permitiu que seus aliados árabes atuassem para amenizar arestas complexas. Nos próximos dias, a expectativa é pela suspensão dos combates, o retorno dos reféns sequestrados em outubro de 2023 e o início da retirada das tropas israelenses de Gaza.
Mas como o próprio Trump disse, se trata apenas da primeira fase. As discussões sobre a saída completa de Israel do território, sobre a administração futura e a reconstrução ficaram para depois, com desafios ainda maiores.
Netanyahu precisará apaziguar sua base de extrema direita que é contra qualquer tipo de acerto, concordar com a saída de suas forças de Gaza e se comprometer a não anexar terras palestinas. O Hamas hesita sobre o desarmamento e, mais importante, sobre seu veto em um futuro governo — a Autoridade Nacional Palestina, deixada de lado no primeiro momento, quer compromissos sobre um Estado independente, algo que Netanyahu afirmou, mais de uma vez, que não deixará acontecer.
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Com tantos poréns, fica difícil não lembrar do fracasso do último cessar-fogo, firmado cinco antes da posse de Trump, em janeiro. Os combates foram suspensos por algumas semanas, reféns voltaram para casa e a ajuda voltou a entrar no enclave. Mas com violações e divergências dos dois lados, a segunda fase do plano — sobre o retorno de todos os reféns e a retirada dos militares — ficou no campo das intenções. A guerra voltou com força total em março, e a crise humanitária se agravou drasticamente. Trump demorou a piscar.
Além de Gaza, a lista de sucessos do republicano tem muitas lacunas. A guerra de 12 dias entre Irã e Israel, por exemplo, terminou após um inédito bombardeio americano contra instalações nucleares iranianas, e não eliminou as tensões regionais. O acordo entre Ruanda e República Democrática do Congo, relativo a um conflito de décadas, é encarado como o passo inicial, e não como a paz absoluta. No caso mais peculiar, a Índia rejeita as alegações de que Trump foi o responsável por evitar um conflito mais amplo com o vizinho Paquistão (que o indicou ao Nobel da Paz). Sobre a guerra na Ucrânia, uma promessa de campanha, ainda está de mãos abanando.
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Se há um padrão, ele tem mais a ver com a busca por vitórias rápidas e publicáveis no Truth Social do que com atacar as raízes das crises.
E há grandes paradoxos no discurso do “grande pacificador”: ao mesmo tempo em que se apresenta como o único capaz de levar a paz ao mundo, ele usa sua força militar para atacar barcos no Caribe, sob justificativa de agir contra os carteis do tráfico, e para pressionar o regime de Nicolás Maduro na Venezuela. As falas sobre a harmonia entre os povos caminham lado a lado com a desumanização de imigrantes que buscam uma vida melhor nos EUA — como buscou seu avô, Friedrich Trump, ao deixar a Baviera aos 16 anos em direção a Nova York, no século XIX.
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Sua campanha para receber o Nobel da Paz conviveu com o assédio judicial contra adversários políticos, com a defesa das Forças Armadas nas ruas dos Estados Unidos (por vezes contra cidadãos americanos), e com um negacionismo climático e científico que ameaça seres humanos bem além de suas fronteiras. Em setembro, uma pesquisa do Washington Post, em parceria com o instituto Ipsos, revelou que 76% dos americanos acreditavam que Trump não merecia o Nobel. Uma rejeição que não está apenas dentro dos Estados Unidos.
— Não importa se Trump fica de cabeça para baixo ou se resolve todos os conflitos do mundo. Ele pode até merecer o prêmio. Ele nunca o receberá, porque não se trata apenas de ser um pacificador ou um defensor dos direitos humanos, mas também de ser um representante digno do prêmio aos olhos do Comitê [do Nobel] e do
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