
Nobel da Paz: Com pressão sobre aliados e discurso de 'grande pacificador', Trump tratou premiação como disputa eleitoral
“Sem aviso prévio, enquanto o ministro das Finanças [da Noruega] Jens Stoltenberg caminhava pela rua em Oslo, Donald Trump ligou. Ele queria o prêmio Nobel — e discutir tarifas”, escreveu, em um misto de incredulidade e galhofa, o jornal norueguês Dagens Næringsliv em agosto, ao revelar a inusitada conversa. O episódio foi um exemplo perfeito da campanha que Trump tem feito ao longo dos últimos anos para receber o Nobel da Paz, que será anunciado nesta sexta-feira, que incluiu o apoio de (e a pressão sobre) aliados, contagens controversas e a ausência de modéstia. Um dos que engrossou o coro pela escolha do americano foi o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que disse na quinta-feira que o aliado deveria ganhar a honraria, horas depois de Trump anunciar um acordo de trégua entre Israel e o Hamas na Faixa de Gaza.
Opinião sincera: Macron diz que Trump só poderá ganhar Nobel da Paz se 'parar' guerra em Gaza
Nobel de Economia: Krugman diz que tarifaço sobre Brasil é ‘maligno e megalomaníaco’ e escala ações externas de Trump
Ainda em seu primeiro mandato, quando negociava um acordo nuclear com a Coreia do Norte, em 2018, Trump disse a jornalistas que “muitas pessoas achavam que ele merecia” o Nobel. A iniciativa com os norte coreanos fracassou, mas a ideia do prêmio foi repetida à exaustão em encontros com líderes estrangeiros, falas na Casa Branca e palanques eleitorais — além do diálogo com Pyongyang, os Acordos de Abraão, que normalizaram as relações de alguns países árabes com Israel, foram usados como argumento para convencer o Comitê Norueguês do Nobel.
De maneira frequente, ele citava o exemplo de Barack Obama, que recebeu a honraria apenas nove meses depois de assumir o cargo, em 2009, mesmo sem grandes feitos à paz mundial.
— Estar no centro da vida pública é a glória maior de Donald Trump, e o Prêmio Nobel da Paz seria algo legal para pendurar na parede — afirmou, em março, o ex-conselheiro de segurança nacional de Trump no primeiro mandato, John Bolton, ao New York Times. — Ele viu que Obama ganhou o Prêmio Nobel da Paz e sentiu que, se Obama ganhou por não ter feito nada, por que não ganharia?
Presidente dos EUA, Barack Obama, ao receber o Nobel da Paz de 2009
Jewel SAMAD/AFP
Trump seguiu falando sobre o Nobel em suas campanhas à Casa Branca de 2020, quando foi derrotado por Joe Biden, e de 2024, quando venceu Kamala Harris e adotou o discurso de “grande pacificador”, hoje seu principal argumento.
— Eu impedi que guerras acontecessem, se fosse outra pessoa eles teriam dado cinco prêmios Nobel, eu não consegui sequer uma menção, e é assim mesmo, uma vez que sou um tipo diferente de pessoa, e as notícias falsas me mostram de uma forma bem diferente da realidade — disse a apoiadores em setembro do ano passado.
Ele repetiu o lamento em fevereiro, já de volta à Casa Branca, ao lado do premier israelense, Benjamin Netanyahu.
— Eles nunca me darão um Prêmio Nobel da Paz — disse. — É uma pena. Eu mereço, mas eles nunca me darão.
E na semana passada, diante de centenas de oficiais das Forças Armadas, disse que seria um "insulto" se não recebesse a honraria, o que fez com que muitos no governo da Noruega temessem algum tipo de retaliação ao país caso o nome do presidente americano não seja anunciado.
— Você receberá o Prêmio Nobel? — perguntou Trump a si mesmo, e então respondeu: — De jeito nenhum. Eles o darão a um sujeito que não fez absolutamente nada. Mas não receber o prêmio seria um grande insulto ao nosso país.
‘As pessoas não sabem mais o que é real': Ao GLOBO, Maria Ressa, Nobel da Paz, aponta big techs como ameaças à democracia
Mas mais do que palavras, a nova etapa da corrida de Trump pelo Nobel incluiu números, em uma contagem que deixa margem a questionamentos.
Em setembro, durante seu longo discurso na Assembleia Geral da ONU, afirmou ter encerrado sete guerras, desde um conflito localizado entre Camboja e Tailândia, passando pela disputa entre Sérvia e Kosovo, até a guerra de 12 dias entre Irã e Israel, encerrada após um bombardeio americano contra instalações nucleares iranianas.
Analistas discordam do protagonismo presidencial na resolução de disputas, e apontam que algumas das alegadas vitórias diplomáticas, como entre Ruanda e República Democrática do Congo, não passam de etapas iniciais de diálogo. Em outras, como entre Índia e Paquistão, que por pouco não iniciaram uma guerra de grande porte, Nova Délhi questionou a narrativa americana.
— Há um tom de absurdo nas alegações de Trump, mas, como acontece com muitas delas, dentro desse absurdo, às vezes há grãos de verdade — afirmou à rede britânica Sky News Samir Puri, do centro de estudos Chatham House, afirmando que as intervenções do presidente americano soam mais como uma “gestão de conflitos”. — [Há] uma enorme diferença entre fazer com que os conflitos acabassem no curto prazo e resolver as causas profundas do conflito.
Portas fechadas: Ex-presidente da Costa Rica vencedor do Nobel da Paz diz que EUA revogaram seu vi
Fonte original: abrir