
Análise: eleitor busca segurança em mundo de incertezas e sensação de bem-estar promete pesar em 2026
Em maio de 2019, uma charge de Joe Dator na revista The New Yorker viralizou em redes sociais ao ilustrar um atendente de livraria pedindo ajuda ao colega de trabalho para mudar uma pilha de títulos distópicos da prateleira de ficção para a de não ficção.
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Na mesma época, a soma de distopias foi reunida pelo antropólogo norte-americano Jamais Cascio sob o acrônimo BANI, que, em inglês, procura resumir as incertezas do mundo ansioso, não linear e incompreensível que vivemos, fenômeno que se intensificou na pandemia e nas mudanças rápidas e radicais em diferentes cenários, especialmente o tecnológico.
Sob esse contexto, fica fácil entender o pragmatismo político dos grupos ideologicamente amorfos do eleitorado brasileiro divulgados pelo GLOBO no último domingo. Em particular, o fato de que, entre os 54% classificados como “invisíveis” pela pesquisa More in Common/Quaest, são frequentes menções que tangenciam múltiplos conceitos de segurança.
A segurança econômica pode explicar em parte a preferência pela reeleição de Lula, por exemplo. Mesmo com inflação e juros altos, dados oficiais de pleno emprego refletem-se sobre a opinião pública na percepção crescente de que está mais fácil se conseguir emprego hoje do que há um ano — segundo a Quaest, essa taxa cresceu oito pontos percentuais (de 34% para 42%) entre agosto e outubro deste ano, espraiando-se sobre todos os estratos de renda.
Mantida a tendência, o escore deve ser recorde em dezembro, como já foi no final do ano passado (a taxa dos que avaliavam positivamente o momento alcançou 43% na ocasião), mês em que a injeção de recursos movimenta a dinâmica econômica na maioria das cidades brasileiras.
Efeito oposto
No entanto, outro vetor de segurança tem agido no sentido oposto, anulando efeitos promissores sobre o cenário econômico — a violência urbana assusta o eleitorado, relativiza conquistas e reforça incertezas sobre o cotidiano.
O tópico lidera o ranking das preocupações dos brasileiros desde maio deste ano, com recorde de menções nesta última pesquisa de outubro (30%), tomando o lugar da economia, que ao longo do tempo teve lembranças reduzidas pela metade (de 31% em agosto de 2023 para 16% agora).
Mais do que a institucionalização do crime organizado, a explosão do estelionato digital, que cresceu 408% nos últimos seis anos, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), retroalimenta um crime de alto apelo junto à rotina do cidadão — furtos e roubos de celulares sobre os quais os números oficiais dizem pouco.
Em ambiente de desprestígio das forças públicas de segurança, apenas pesquisas de vitimização projetam indicadores mais próximos da realidade. Em 2024, o Datafolha calculou em quase 15 milhões o número de vítimas para esse tipo de crime no período de um ano, sendo que 45% delas não tinham feito o boletim de ocorrência.
O tema sensibiliza diferentes esferas do poder, que passam a disputar palco quando casos de maior repercussão tomam conta do noticiário. Casos mais recentes como apedrejamentos de ônibus ou contaminação de bebidas alcoólicas por metanol reforçam essa tendência nos grandes centros. O Novo Cangaço assusta populações interioranas.
Se 2026 já começou, a variável do bem-estar do cidadão, que valoriza a segurança diante das incertezas do dia a dia, promete ser o vetor de maior peso na decisão de voto, deslocando o eixo da matriz de valores e do pertencimento a grupos ideológicos para um segundo plano.
*Mauro Paulino é comentarista político, especialista em opinião pública e eleições. Alessandro Janoni é diretor de pesquisas da consultoria Imagem Corporativa. Ambos foram diretores do Datafolha por mais de 20 anos.
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