Rainha do tecnomelody, Viviane Batidão lança disco e exalta a cultura paraense: ‘O brega era visto como cafona’
Viviane Batidão lembra como se fosse hoje o que fez com seu primeiro cachê: comprou uma garrafa térmica para a avó armazenar o café que passava todas as manhãs e lhe dava disposição diária para criar dois netos.
Círio de Nazaré entre o Sagrado e o Profano: 'O evento não tem dono, é do povo'
Antônio Caramelo: Conheça o artista de 11 anos indicado ao Grammy Latino
Filha de mãe empregada doméstica, que sumiu no mundo quando ela tinha 9 anos, e de pai motorista, “gente fina demais, mas ausente”, a cantora e compositora paraense de 41 anos enfrentou o sentimento de abandono e rejeição a vida toda. Por anos se perguntou o que havia acontecido com a mãe. A reposta nunca chegou. O pai nunca soube responder ao certo.
O remédio para curar o vazio da falta de carinho ela encontrou no abraço do público. Foi ele que a alçou ao posto de Rainha do Tecnomelody, variação do tecnobrega, estilo surgido na festas de aparelhagens na periferia de Belém.
O fato de dominar o palco com eletricidade — além de pose, figurino e voz de diva—, rendeu a ela apelido curioso: Ivete Sangalo do Pará. É assim que tem sido chamada pelos entendidos do showbusiness desde que atravessou a redoma paraense e ganhou projeção nacional.
Até pouco tempo, Viviane se restringia — e vivia muito bem, obrigada — ao mercado autossustentável de shows e festas paraenses (num circuito que também englobava Amapá e a Baixada Maranhense). Fazia música e mandava no pen drive para a pessoa que comprou.
O estouro da bolha começou com o Prêmio Multishow 2024 que ela conquistou na categoria Brasil. Vieram, então, participações no “Numanice”, de Ludmilla, em noites do DJ Alok, nos ensaios de Anitta e no festival Amazônia para Sempre.
No início deste ano, Viviane jogou no mundo o single “Não deixei de amar”, que serviu de marco para a nova fase amplificada da carreira, e outros lançamentos que antecedem o aguardado disco “É sal”, previsto para o próximo dia 28. Um deles, "Só no Pará", uma ode a seu estado, é a única música do disco que não é tecnomelody. Tem uma pegada mais latina.
Ana Beatriz Nogueira: 'Tenho mais medo da ignorância do que da esclerose múltipla'
Du Moscovis: 'Damos pouco valor a caras legais, gentis, atentos'
O álbum deve sacramentar de vez o diálogo da artista com o Brasil. Composto por nove canções autorais, traz feats com artistas de diferentes partes do país. O que configura mais alguns passos da menina que saiu de Santa Izabel, no interior do Pará, para se tornar uma das estrelas do atual momento musical de grande riqueza de seu Estado.
— Nunca persegui o sucesso, ele chegou em mim. Não tinha ambição de atingir projeção nacional, só queria levar minha cultura para fora. Imaginava viver de aluguel, trabalhar de atendente no supermercado. Não estou desprezando, todo trabalho é digno, mas falo da minha realidade — analisa. — Nunca tive incentivo de estudo. Só precisava passar para não levar uma surra. Terminei o ensino médio na pandemia. Hoje sou a mais bem sucedida da família. A música que me deu isso.
Se no palco ela é uma diva, quem recebe a repórter em sua casa, cravada num condomínio de construções abastadas, em Belém, é a versão caseira de Viviane.
— Olhaí: pirarucu, filhote, charque, maniçoba apurada que cozinhou por sete dias, saladinha de feijão Santarém e açaí. Tudo para você, Maria. Sabe como come? — oferece ela, ensinando a intercalar uma garfada de peixe com uma colher de açaí. — Eu tomo com açúcar, assumo. A gente brinca que isso define quem é paraense raiz ou Nutella, hahahaha.
O convite à mesa do almoço, feito com a maior simpatia, revela o orgulho diante das riquezas gastronômicas de sua terra. Um orgulho que se expande para outros aspectos. Ele começou a brotar na infância, quando Viviane foi forjada pela música paraense e latina, que ouvia na aparelhagem vizinha à sua casa. Dormia e acordava ao som de brega, lambada, calypso, cúmbia, merengue. Passou a cantar "lavando louça, varrendo casa, tomando banho, enlouquecendo vovó".
Aos 15 anos, a música deixou de ser hobby para virarganha pão. Até que, aos 18 anos, ela se casou. Vieram o controle e o ciúme do então parceiro, que a fizeram trocar o palco pelo balcão de uma loja.
O retorno à cena veio tempos depois, quando um amigo sugeriu que compusessem uma música no estilo "batidão de Santa Izabel" (mais pesado, com uma timbragem específica de caixa e contrabaixo), sua terra natal. Veio aí “Vem meu amor”. Por conta daquela tal batida mais pesada, a antiga Viviane se tornou Viviane Batidão.
'Cantei minha música em looping por 15 minutos'
— A música explodiu em dois meses. Tinha 23 anos, não era ninguém. Ganhava R$300 por mês na loja e veio a proposta para um show no Macapá com cachê de R$ 4 mil. Peguei roupa emprestada da minha prima, que mede 1m75cm. Eu meço 1m59cm. Botei uma bota 39 no meu pé 35. E fui atrás do sonho. Cantei minha música, a única que tinha, em looping por 15 minutos (risos).
A trajetória daí em diante não foi só céu de brigadeiro. Viviane passou dois anos engana
Fonte original: abrir