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Onde a cidade é do barulho? Conflito entre frequentadores de bares e vizinhos fazem queixas de perturbação do sossego saltarem

12/10/2025 07:31 O Globo - Rio/Política RJ

Botafogo foi incluído no guia britânico Time Out na 29ª posição entre os 39 bairros mais descolados do mundo. Mas é também o quarto colocado em reclamações de pertubações ao sossego protocoladas até 19 de agosto deste ano (últimos dados disponíveis) na central 1746, da Prefeitura do Rio. Perde apenas para Camorim, Copacabana e Barra da Tijuca.
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A briga pelo direito ao silêncio, garantido por lei, se mostra aguerrida num cenário em que os “baixos” se expandem. As queixas de barulho ao 1746 duplicaram na cidade. Somaram 9.370 em 2024, enquanto de janeiro a 19 de agosto último já totalizavam 19.639. E, no ranking de todos os registros da plataforma, subiram de colocação: de 18º para 9º, do ano passado para 2025. Os dados são do Data.Rio, portal do município, e foram compilados pelo geógrafo Hugo Costa a pedido do GLOBO:
— Dos 50 endereços com mais reclamações este ano, 94% já tinham queixas no ano passado, que persistem.
Na esquina das ruas Dias Ferreira e General Venâncio Flores, no Leblon, frequentadores são servidos na rua
Marcelo Theobald
Moradores apontam como justificativas para o crescimento tão alto desses números o avanço de bares para as ruas e a fiscalização deficiente. É o caso de Virgínia Fernandes, diretora da Associação de Moradores e Amigos do Leblon. Ela conta que, há algumas semanas, após publicação de vídeo no Instagram, um bar da Dias Ferreira — está em 57º lugar este ano entre as ruas com mais reclamações—, no Baixo Leblon, foi multado. Uma ação insuficiente, diz ela, em relação ao tamanho do problema:
— Cada vez piora mais. Virou moda as pessoas ficarem em pé na rua. A tendência dos bares tem sido a de alugar lugares pequenos, porque acabam se expandindo, tanto com a colocação de mesas e cadeiras em calçadas e vagas, que passou a ser autorizada, quanto para o meio da rua. Quando os bares fecham, chega o pessoal do delivery, e a confusão continua. Imagina como a situação vai ficar no verão.
Na Dias Ferreira, no Leblon: mesas e cadeiras dentro e fora do cercadinho na rua
Marcelo Theobald
‘Consciência de direitos’
Entre especialistas, a psicóloga clínica Francilene Torraca, doutoranda pela UFRRJ, entende que o aumento expressivo das queixas “tem relação direta com o estado emocional coletivo que vivemos hoje”:
— Depois da pandemia, muitas pessoas passaram a valorizar mais o silêncio, a rotina e a sensação de segurança em casa. Ao mesmo tempo, estamos mais ansiosos, irritáveis e sobrecarregados emocionalmente, o que reduz a tolerância a qualquer tipo de estímulo externo, como barulho, festa ou vizinho inconveniente. A psicologia chama isso de redução do limiar de tolerância ao estresse. Além disso, há uma mudança social e comportamental importante: as pessoas estão mais conscientes dos seus direitos e dispostas a expressar incômodos.
O ranking do barulho
Editoria de Arte
Além de se manifestar através do canal oficial e buscar contato com os órgãos responsáveis, vizinhos do barulho estão adotando outras medidas para enfrentar a batalha. Um morador da Rua Fernandes Guimarães, em Botafogo — a 12ª com mais queixas este ano, numa lista que tem nas primeiras posições a Estrada dos Bandeirantes, que corta vários bairros da Zona Sudoeste; a Rua Dias da Cruz, no Méier e Engenho de Dentro; e a Avenida Olegário Maciel, na Barra — colocou janela acústica no apartamento. O que não basta.
— Dormimos com tudo fechado, ar e TV ligados. Se desligar a televisão, mesmo com a janela acústica, dá para ouvir o som, porque as paredes não têm tratamento acústico. A bagunça começa quarta, quando tem jogo, e vai até domingo. Os bares fecham por volta das 3h da madrugada nos dias mais movimentados. Depois, o pessoal fica até 5h, 6h, consumindo com os ambulantes. Fecham a rua. Até carro de polícia tem dificuldade de passar — conta o morador, que pede para não ser identificado, com medo de represálias.
Ranking do barulho
Editoria de Arte
Diante da balbúrdia, a administradora Michele Elias, moradora da Arnaldo Quintela — eleita a 8ª rua mais legal do mundo em 2024 pela Time Out — precisou procurar um psiquiatra para que receitasse remédio para dormir.
— É barulho por todos os lados. Têm música ao vivo, caixas de som. Minha filha, de 8 anos, não consegue dormir no quarto dela, onde o barulho é pior. Para que ela e meu marido durmam, é preciso ligar a TV nas alturas — conta Michele. — Os bares sempre falam que o movimento traz segurança. Mas, na quinta passada, a farmácia embaixo do meu prédio foi assaltada às 21h47.
Desde 2017, a responsabilidade por fiscalizar o barulho no Rio passou a ser da prefeitura. Mesmo assim, com 100 mil ligações, a perturbação do sossego continua sendo o top 1 nos chamados do 190, controlado pela Polícia Militar.
Pedra e ovo
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