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A redescoberta de Berthe Weill: pioneira do modernismo que desafiou o machismo e o nazismo

12/10/2025 09:01 O Globo - Rio/Política RJ

Antes de Picasso ser Picasso, houve Berthe Weill. E, antes de o modernismo virar moda, houve essa mulher que acreditou nele quando ninguém via valor no novo, abrindo espaço para os que ainda não tinham nome. Mais do que uma vitrine, Berthe (1865-1951) criou uma trincheira, transformando o ofício de marchand em ato de resistência e o olhar em instrumento político.
No Musée de l’Orangerie, em Paris, a exposição “Berthe Weill — Galeriste d’avant-garde”, em cartaz até 26 de janeiro, devolve à história a mente dessa pioneira — a primeira mulher a dirigir uma galeria de arte na cidade-laboratório da modernidade. Reza a lenda que, às vezes, as pinturas ainda estavam molhadas quando Weill se apressava para pendurá-las com alfinetes. “Por que esperar?”, perguntava. Era famosa por sua velocidade e obstinação, por apostar nos artistas antes que alguém soubesse pronunciar seus nomes.
Em 1902, mostrou obras de Picasso e Matisse, vendendo as primeiras de ambos em Paris. Dois anos depois, exibiu Francis Picabia e, em 1905, os fauvistas — antes mesmo que tivessem esse nome. Em 1913, organizou a estreia de Suzanne Valadon, depois a única individual de Diego Rivera em Paris, e a exposição solo de Modigliani, fechada pela polícia por indecência. O letreiro em sua porta dizia “Place aux jeunes!” — e era exatamente isso: um abrigo para o novo.
A mostra reúne mais de 100 obras e documentos que reconstroem esse laboratório da vanguarda. Há Picassos da fase azul, um Matisse luminoso, retratos de Modigliani e telas de Valadon e Émilie Charmy — artistas que Weill insistiu em exibir ao lado dos homens quando o mercado ainda resistia às mulheres. Entre catálogos, cartas e recibos, percebe-se a energia de quem viveu para a arte dos outros.
Filha de modestos judeus alsacianos, quase sem estudos formais, aprendeu o ofício como quem aprende uma língua: ouvindo, tateando, confiando no instinto. Durante a polêmica do caso Dreyfus, colocou desenhos em defesa do capitão acusado na vitrine e ouviu da rua: “Tire essas imundícies!”. Não tirou.
Resistiu ao antissemitismo, ao machismo, à solidão e à precariedade. “Ganhar dinheiro é o meu papel? Não. O meu é tirar as castanhas do fogo”, escreveu em suas memórias de 1933. Muitos dos artistas que lançou migraram para galerias ricas; quando questionada sobre sua pobreza, respondeu: “A culpa é só minha. E não me arrependo de nada”.
Tinha consciência de que sua grande fortuna era o olhar — e com ele pagou o preço de permanecer fiel a si mesma. Weill terminou a vida sem fortuna, mas sem rancor. As leis antissemitas do nazismo a afastaram da própria galeria em 1941; sobreviveu escondida e voltou em silêncio. Morreu em 1951, aos 85 anos. O mercado celebrou seus artistas; a ela, quase ninguém.
Por isso, esta exposição não é apenas uma reparação histórica. É também uma reflexão sobre o poder de um olhar que antecede o reconhecimento — o olhar de uma mulher que soube ver o futuro antes que ele tivesse nome. Um olhar que não pintou, mas iluminou a pintura. Que não assinou quadros, mas destinos. Um olhar que, enfim, o mundo começa a enxergar de volta.

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