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O espelho do vestido rosa de Geisy Arruda e o filme A Onda

25/10/2025 12:57 Imirante - Política

<p>Essa semana, o episódio da Geisy Arruda voltou a circular nas redes. Mais de uma década depois, aquele vídeo da estudante sendo hostilizada por usar um vestido curto ainda causa espanto, mas, mais que isso, deveria causar reflexão porque o que aconteceu ali não foi sobre um vestido, nem sobre moralidade: foi um surto coletivo, um laboratório real do comportamento humano em grupo.</p><p>Geisy tinha vinte anos. Chegou à faculdade vestindo um simples vestido rosa, curto, justo, sem pretensão. Era apenas mais um dia de aula, até que olhares começaram a se cruzar, cochichos surgiram, risadas cresceram, e, em minutos, o que era um incômodo virou espetáculo. </p><p>Centenas de pessoas, entre risos e ofensas, transformaram uma mulher comum em alvo público de humilhação. E, o mais curioso: ninguém sabia exatamente por quê. Não havia crime, não havia provocação, apenas um corpo, uma cor e uma multidão precisando de um inimigo comum. Enquanto assistia novamente às cenas, lembrei do filme “A Onda” (Die Welle). Nele, um professor decide provar a seus alunos que o autoritarismo não é um fenômeno distante e cria um experimento: impõe regras, lema, uniforme, hierarquia, uma ideia de unidade. </p><p>Em poucos dias, os jovens comuns passam a agir com orgulho, obediência cega e intolerância com quem discorda. A experiência sai do controle e revela o que Freud chamaria de dissolução do eu na massa: o indivíduo perde a autonomia, a consciência e se funde à força do coletivo. E foi exatamente o que vimos no caso Geisy: pessoas que, isoladamente, talvez jamais a ofendessem, cederam à energia da multidão. Riram, filmaram, gritaram, aplaudiram movidas não por convicção, mas por pertencimento. Isto porque o grupo dá uma ilusão de poder, e o poder, mesmo breve, embriaga. </p><p>Como Nietzsche diria, “o homem, por medo da solidão, prefere a mentira do rebanho à verdade solitária.” E o rebanho, uma vez formado, precisa de um inimigo, ainda que esse inimigo seja apenas uma mulher de vestido curto. O mais assustador no episódio Geisy não foi a hostilidade em si, mas a velocidade com que ela se espalhou. </p><p>O prazer do julgamento, a excitação de participar e o contágio moral formaram todos os ingredientes do que o filme “A Onda” ensina como a mecânica do autoritarismo: ele não nasce em gabinetes, mas do comportamento comum de quem se sente autorizado a punir o outro. É quando o indivíduo percebe que pode agredir sem culpa porque “todo mundo está fazendo”. </p><p>O caso Geisy foi uma “Onda” sem roteiro: as alunas que riram primeiro, os rapazes que transformaram o julgamento em espetáculo, a instituição que se curvou à histeria, todos acreditavam estar certos. E é isso que o torna mais perigoso: o mal coletivo raramente se reconhece como mal. </p><p>“A Onda” mostrou isso como ficção. Geisy viveu isso na vida real. E talvez a lição mais dura seja essa: não precisamos de líderes tiranos para reviver o autoritarismo, basta um grupo convencido de que está certo. </p><p><strong>Sâmara Braúna </strong></p><p>Advogada há 24 anos, criminalista, especialista em liberdade, garantias constitucionais, em violência de gênero e crimes sexuais. Pós-graduada em Direito Penal. Conselheira Estadual OAB/MA. Representante da OAB/MA no Comitê de Politicas Penais do Estado do Maranhão. Membro da Comissão Especial de Estudo do Direito Penal do Conselho Federal da OAB.</p>

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