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Eis a natureza das coisas

25/10/2025 13:48 Imirante - Política

<p>Em tempos como os nossos, em que muito se fala, se escreve, se posta, é preciso atentar para quem realmente tem algo a dizer. E, não se engane, para dizer muito não é preciso falar muito; basta profundidade, mesmo no pouco que se fala.</p><p>Clarice Lispector é prova disso. Em seu <i>De natura florum</i> (1971), escreve sobre flores. E como soam profundas as poucas palavras da autora. São como de sabedoria ancestral; sem esforço, nos tiram escamas dos olhos e nos mostram pelo avesso, em nossa natureza despida, tão natural quanto a de uma flor.</p><p>Veja o verbete da Violeta, por exemplo:⠀⠀⠀⠀⠀</p><p>"É introvertida, sua introspecção é profunda. Ela não se esconde, como dizem, por modéstia. Ela se esconde para poder entender o seu próprio segredo. O seu perfume é uma glória mas que exige da pessoa uma busca: seu perfume diz o que não se pode dizer. Um ramo de violetas equivale a 'ama os outros como a ti mesmo'."⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀</p><p>Outro ensinamento que extraio das poucas palavras de Clarice é o de que, ao contrário do que muito se pensa, a Literatura não pode ser reduzida ao status de artifício de fuga da realidade. Embora também a utilizemos com esse fim, quando a vida não está tão confortável, a verdade é que a arte literária também amplia nossa capacidade de reflexão sobre o real a partir do ficcional.</p><p>Quando Clarice fala sobre flores e suas características, também fala do humano. E, apesar de ser uma possibilidade da Literatura em geral, esse recurso simbólico apenas atinge seu ápice quando em mãos de grandes escritores, como a autora em questão, visto que não é tarefa das mais fáceis utilizar metáforas e afins e conseguir não incorrer no didatismo, o que poderia comprometer os atributos literários de qualquer obra.</p><p>Em Clarice, a flor é homem e o homem é flor: eis a natureza das coisas.</p><p>Nesse aspecto, um escritor de espírito semelhante ao de Lispector é Manoel de Barros. Para o autor, também não há distinção entre homem e natureza; ambos são composições simbióticas, indissociáveis. O homem precisa ser pássaro para ver as coisas de cima, antes dos conceitos – prisões engendradas pela palavra.</p><p>Manoel de Barros não estava preocupado com a crítica. Sua agramática era explícita e proposital, como que numa tentativa de protesto contra o cerceamento da imagem pela palavra e suas normas. É que a imagem sempre vem primeiro. A gente tenta nomeá-la, num exercício que, para Manoel, pode limitar o poeta.</p><p>Sendo assim, a função do poeta seria “desexplicar”, desnaturalizando as coisas; permitindo um novo olhar, como o da criança que, desconhecendo as normas gramaticais da língua, pode escutar a cor dos pássaros.</p><p>O poeta ainda acreditava na superioridade das coisas simples – do chão, do mato, insignificantes, indesejáveis – sobre as refinadas, importantes. Para fazer poesia, na escola de Manoel, mais vale a palavra espontânea do homem inculto, do campo, do que a viciada, do doutor da cidade grande. Assim é a poesia de Manoel de Barros: o delírio do verbo. E, quando o verbo delira, tudo é possível.</p>

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