
Nobel 2025: prêmios de ciência homenagearam conquistas baseadas em pesquisas de décadas atrás; entenda
Pelo menos três repórteres diferentes perguntaram, na terça-feira, a John Clarke, um dos ganhadores do Prêmio Nobel de Física deste ano, como exatamente chegamos à tecnologia dos celulares modernos a partir de sua obscura descoberta de “tunelamento quântico macroscópico e quantização de energia” feita há 40 anos.
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Ele nunca deu uma resposta direta. Talvez porque não exista uma linha mestra simples que conecte o laboratório ao cotidiano. Muitas vezes, esse percurso é o resultado de uma expertise que supera as contribuições de um ou poucos cientistas: uma ideia aqui, um avanço ali e muitos experimentos fracassados no meio, às vezes ao longo de décadas.
A importância da ciência básica
Os prêmios Nobel científicos anunciados esta semana reforçam esse ponto. Todos os três — concedidos anualmente em fisiologia ou medicina, física e química — homenagearam conquistas enraizadas em pesquisas fundamentais de décadas atrás. Alguns especialistas interpretam as escolhas da Real Academia Sueca de Ciências como um reconhecimento à importância da ciência básica, um trabalho lento e meticuloso conduzido pelo desejo de compreender melhor o mundo.
Em um momento em que a eficiência governamental é usada para justificar cortes drásticos no financiamento científico, os prêmios Nobel da ciência oferecem um argumento a favor da curiosidade constante: a exploração esotérica e aparentemente inútil pode criar bases para caminhos que ainda não conseguimos vislumbrar.
“Não é apenas o fato de ter demorado muito tempo entre os esforços e o prêmio, mas o esforço em si foi intergeracional”, disse David I. Kaiser, físico e historiador da ciência do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. “Não são questões para as quais possamos ter perguntas bem formuladas, muito menos respostas claras e convincentes”, acrescentou.
Décadas de descobertas que transformam vidas
Na segunda-feira, o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina foi concedido a três cientistas que descobriram por que o sistema imunológico não ataca o próprio corpo. Um deles iniciou experimentos na década de 1980 que só deram resultados significativos em 1995, e os outros dois laureados continuaram a pesquisa até o início dos anos 2000. O conhecimento revelado por eles levou a avanços no tratamento do câncer e serve de base para mais de 200 ensaios clínicos em andamento.
“Tudo começou com a retirada do timo de um camundongo”, disse Jo Handelsman, diretora do Instituto de Descobertas de Wisconsin, na Universidade de Wisconsin-Madison. “Quem imaginaria que isso se tornaria uma ideia tão empolgante para a medicina do futuro?”
O Dr. Clarke e outros dois físicos — Michel H. Devoret e John M. Martinis — receberam o Prêmio Nobel de Física na terça-feira por demonstrar que duas propriedades da mecânica quântica, a teoria que descreve o comportamento do universo subatômico, podem ser observadas em sistemas visíveis a olho nu.
Em coletiva de imprensa, Clarke afirmou que ele e seus colegas não tinham “nenhuma maneira de entender a importância” de seu trabalho. “Você simplesmente não sabe como isso vai evoluir, porque outras pessoas vão pegar a ideia e desenvolvê-la”, disse.
Na quarta-feira, o Prêmio Nobel de Química foi concedido a três químicos pelo desenvolvimento de “estruturas metal-orgânicas”, moléculas porosas com área de superfície excepcionalmente alta, derivadas de experimentos das décadas de 1980 aos anos 2000. O conceito hoje sustenta materiais que tornam a produção industrial mais eficiente e permitem aplicações práticas, como a coleta de água do ar em regiões secas.
Décadas de pesquisa abriram caminho para as tecnologias, tratamentos e até brinquedos do amanhã.
É natural acreditar que investir tempo ou dinheiro deve gerar retornos previsíveis. Mas diga isso a Agnes Pockels, química autodidata alemã, cujo estudo sobre bolhas de sabão ao lavar louça lançou as bases da nanotecnologia décadas depois, ou a Isaac Newton, cujas reflexões sobre a maçã caindo deram origem à teoria da gravidade, alicerce para a exploração espacial.
“É da pesquisa básica que vêm os grandes avanços”, disse Handelsman.
Alguns benefícios surgem de forma mais imediata. Uma análise aponta que o investimento em pesquisa e desenvolvimento não relacionados à defesa nos EUA gera retorno de até 300% em crescimento de produtividade. Outro estudo indica que cada US$ 1 investido pelos Institutos Nacionais de Saúde, maior financiador público de pesquisa biomédica, gera US$ 2,56 em atividade econômica. A busca por detectar ondulações no espaço-tempo, por exemplo, estimulou avanços em computação, lasers, sensores e óptica.
“É sempre fácil demonstrar o poder da curiosidade olhando para o passado”, disse Robbert Dijkgraaf, presidente eleito do Conselho Internacional de Ciências e ex-diretor do Instituto de Estudos Avançados em Princeton, Nova Jersey.
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