Nada prospera se não viralizar: vale tudo no marketing das redes
“Vale Tudo” confirmou: tudo é produto e o mercado são as redes. O merchandising suplantou cenas que deveriam causar impacto emocional, mas que se diluíram pela urgência de lavar a roupa em ciclo rápido e pelo delivery de cerveja gelada em 15 minutos.
Um parêntese: só o personagem Ivan resistiu à adesão tecnológica. Abriu uma agência física de viagem em plena era booking.com e distribuiu folheto na calçada em vez de usar o Instagram. O toque surreal ficou para o último capítulo: funcionou, abriu mais quatro filiais. Um delírio patrocinado pela nostalgia. Fecha parêntese.
A novela levantou voo ao ser fragmentada em memes e recortes que viralizaram nas redes. Nesse aspecto, o remake foi um sucesso: não pela elucidação do suspense, mas pelo alcance do engajamento — apesar do epílogo absurdo e do apagão final de quase todo o elenco. Nada disso importa. Deu certo.
Novo parêntese: lembrei de outra novela, “No Rancho Fundo”, em que Deborah Bloch fazia uma vilã que contracenava com Alexandre Nero no papel de um matuto, e era tudo tão sensível, criativo e coerente que um merchandising tontearia o público. Se chegou a acontecer alguma ação, deve ter sido muito bem-feita, pois ninguém lembra.
Ah, a elegância de uma inserção subliminar. Quem matou? Hoje, nada prospera se não virar postagem. E não falo apenas de sabão, cerveja ou xampu. Vale tudo: até livros.
Já não basta anunciar a data e o local da sessão de autógrafos. Se o escritor quer mesmo que seu novo trabalho seja conhecido, ele fará um vídeo mostrando o momento em que o livro chega às suas mãos, logo ao sair da gráfica — é uma ação estratégica, gera comentários, engaja os leitores. Nunca me pediram, mas fiz mais de uma vez, espontaneamente. A emoção é verdadeira, mas não deixa de ser merchan. Brasil, mostra a tua cara.
Shows, peças de teatro: se não houver barulho nas redes, melhor nem estrear. Convocação direta feita pelos artistas, cenas de bastidores, invasão de camarins, um drone sobrevoando a plateia — o tijolinho no jornal resiste como memorabília, apenas.
Filosofia, religiões, psicanálise, moda, turismo, nutrição, medicina. Onde quer que haja algo para vender — mesmo uma ideia, uma mentoria, uma reputação — é na prateleira virtual que será exposto o produto. Nem flagrantes de poesia escapam.
Aqui perto de casa, quando o sinal fecha, um garoto caminha em meio aos carros tocando violino e com a chave Pix estampada na camiseta. É bonito: pede ajuda oferecendo música em troca. Nunca vi um motorista puxar o celular para fazer uma transferência, mas todos fotografam e, em seguida, postam em seu perfil com alguma legenda edificante. Mais de 100 curtidas? Vendido!
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