'Mataram civis feridos em suas camas', conta enfermeira que testemunhou massacre de 400 pessoas por grupo paramilitar no Sudão
"Eles mataram seis soldados e civis feridos em suas camas – alguns deles mulheres". O relato é de Awal Khalil, enfermeira voluntária que trabalhava no Hospital El Fasher Sul quando a cidade sudanesa foi tomada, no último domingo, pelas Forças de Apoio Rápido (FAR) — grupo paramilitar descendente das milícias Janjaweed, acusadas de genocídio há duas décadas. Ao jornal britânico Guardian, a profissional de 27 anos contou que cuidava de uma idosa em transfusão de sangue quando os milicianos invadiram o hospital e mataram mais de 400 pessoas.
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— Tive que correr quando invadiram o hospital — afirmou Khalil, que foi baleada no pé direito e na coxa e precisou fugir da cidade, sem comida e água, caminhando por um dia inteiro. — No caminho, levaram meu celular e meu dinheiro. Fiquei sem nada.
Khalil é uma das milhares de pessoas que fugiram de El Fasher, capital da região de Darfur do Norte, após o cerco de 18 meses imposto pelas FAR. Segundo as Forças Conjuntas, coalizão de grupos armados aliados ao Exército sudanês, mais de 2 mil civis desarmados foram executados em dois dias — 26 e 27 de outubro — durante a ofensiva que consolidou o domínio paramilitar sobre a cidade.
"[O grupo paramilitar] cometeu crimes atrozes contra civis inocentes na cidade de El Fasher, onde mais de 2 mil cidadãos desarmados foram executados e mortos, principalmente mulheres, crianças e idosos", afirma o comunicado da coalizão.
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Combatentes das FAR "mataram a sangue frio todos que encontraram dentro do hospital saudita, incluindo pacientes, seus acompanhantes e qualquer outra pessoa presente nas enfermarias", segundo a Rede de Médicos do Sudão, um grupo de profissionais de Saúde que monitora a guerra.
A ONU e várias organizações internacionais vêm alertando para o risco de atrocidades com motivação étnica. Segundo o Alto Comissário da ONU para Direitos Humanos, Volker Türk, "ações concretas precisam ser tomadas urgentemente para garantir a proteção dos civis em El Fasher e a passagem segura para aqueles que tentam alcançar relativa segurança".
Segundo relatos coletados pelo Guardian, combatentes das FAR abriram fogo dentro de hospitais, matando pacientes e profissionais de saúde. Um enfermeiro contou que “os milicianos entraram por um portão e começaram a atirar na emergência”, matando pelo menos oito pessoas.
— Fugimos por outro portão, mas eles me acertaram na cabeça com um fuzil — disse o sobrevivente.
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Imagens de satélite analisadas pelo Laboratório de Pesquisa Humanitária da Universidade de Yale confirmam execuções em massa, com corpos empilhados, manchas de sangue visíveis no solo e valas comuns. Segundo o pesquisador Nathaniel Raymond, que concedeu entrevista à rede britânica BBC, as marcas vermelhas observadas nas imagens são “consistentes com pessoas que sangraram até a morte no chão”.
O comandante das FAR, general Mohammed Hamdan Dagalo, que está sob sanções dos Estados Unidos, reconheceu o que chamou de "abusos" cometidos por suas tropas. Ele afirmou que uma investigação foi aberta, mas não deu mais detalhes.
Fuga sob fogo
Mais de mil pessoas, incluindo mulheres e crianças, caminharam por dois dias até Tawila, 55 km a oeste de El Fasher, fugindo dos combates. A cidade, controlada pela facção do Exército de Libertação do Sudão, virou refúgio improvisado.
Adam Yagoub, motorista de 28 anos, contou ao Guardian que escapou por pouco da execução.
— Eles queriam cortar minha cabeça com uma faca — relatou. — Um deles me reconheceu e implorou para que não me matassem. Éramos 18 que saímos de El Fasher, só oito chegaram a Tawila.
Yagoub afirmou ter visto 22 corpos próximos a um “poço falso”, onde milicianos emboscavam civis sedentos.
— Mataram os homens e esconderam os corpos — afirmou.
A organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) afirma que mais de mil refugiados chegaram a Tawila, muitos em estado de desnutrição e desidratação severa.
— Muitas estavam muito debilitadas, sofrendo de desnutrição e desidratação — disse Sylvain Penicaud, coordenador da MSF.
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