
Governo tem de restringir gastos com pessoal e renúncia fiscal em caso de déficit em 2025? Entenda
Diante das dificuldades em obter novas receitas e do aumento crescente das despesas, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva se encaminha para fechar o ano de 2025 com novo déficit nas contas públicas. Caso esse resultado seja confirmado, o arcabouço fiscal determina que sejam acionadas travas ao crescimento de gastos com pessoal e a novas renúncias tributárias. Mas a redação da lei levanta discussões sobre o período em que as restrições seriam impostas: o governo defende que valeria só para 2027, enquanto técnicos de Orçamento do Congresso e do Tribunal de Contas da União (TCU) argumentam que os gatilhos já deveriam ser acionados para o ano que vem.
Atualmente, a equipe econômica prevê um rombo primário de R$ 30,2 bilhões este ano, bem próximo ao limite inferior da meta zero, que permite déficit de até R$ 31 bilhões. O projeto de lei orçamentária anual de 2026, por sua vez, prevê elevação de 11,2% de gasto com pessoal e novos incentivos fiscais, como para a promoção da indústria de datacenters.
O acionamento de medidas de ajuste fiscal em caso de resultado deficitário é um comando que foi inserido no arcabouço fiscal no fim de 2024, dentro do pacote de corte de gastos enviado pelo governo Lula. A legislação determina que, em caso de apuração de déficit primário do Governo Central a partir de 2025, ficam vedadas a ampliação de incentivos fiscais e o aumento real (descontada a inflação) de gastos com pessoal superior a 0,6%, piso do limite de gastos. O trecho, no entanto, especifica que a vedação vale apenas no ano “subsequente” à apuração do resultado anual das contas públicas, que ocorre sempre em janeiro.
Na avaliação do governo, o trecho que cita a validade para o "ano subsequente ao da apuração" deixa claro que as travas só valeriam a partir de 2027. Para explicitar esse entendimento, segundo o Ministério do Planejamento, foi incluído um artigo no projeto de lei de diretrizes orçamentárias. No trecho, o governo especifica que os gatilhos "não se aplicam, nem criam qualquer restrição, à elaboração e à execução” do Orçamento de 2026.
"Registre-se que a norma menciona expressamente o ato da apuração do resultado primário, o qual ocorre, reconhecidamente, no início do exercício subsequente, pelo Banco Central do Brasil. Desse modo, considerando que a apuração do resultado primário de 2025 ocorre em 2026, as restrições aplicam-se ao exercício de 2027", disse o Planejamento na mensagem presidencial que acompanhou a lei orçamentária do ano que vem.
Esse entendimento foi contestado, contudo, pelos técnicos de Orçamento do Congresso e pelo TCU. As discordâncias foram apresentadas no contexto da avaliação do texto que trata das diretrizes orçamentárias.
Em nota conjunta, as consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado observaram que, embora a apuração final só ocorra em janeiro, já haverá antes sinalizações em relatórios se é ou não factível um resultado zero ou superavitário das contas.
Assim, os técnicos entendem, no máximo, que a aplicação das travas teria de esperar a divulgação do resultado final, mas ainda no ano de 2026. Além disso, argumentam que o textto das diretrizes orçamentárias, um projeto de lei comum, não poderia alterar uma lei complementar, como a que rege o arcabouço.
TCU fez alerta
No TCU, o alerta foi feito pelo Ministério Público de Contas. Com base no parecer dos técnicos do Congresso, o procurador Júlio Marcelo de Oliveira recomendou "dar ciência" aos Ministérios da Fazenda e do Planejamento de que o artigo do projeto das diretrizes viola o arcabouço fiscal e que não tem força legal para afastar sua incidência sobre a execução orçamentária de 2026.
De acordo com Oliveira, o déficit em 2025 parece inevitável, e o arcabouço é claro ao prever que as medidas de ajuste fiscal decorrentes do rombo incidirão já no ano que vem.
"Propostas que pretendem afastar essas medidas de ajuste para possibilitar aumento de despesas em ano eleitoral são ilegais, altamente danosas para as finanças públicas e vão de encontro ao princípio da responsabilidade na gestão fiscal."
No entendimento do head de macroeconomia do ASA e ex-secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, a trava valeria para 2027, de acordo com o texto da lei aprovada no ano passado que destaca que a repercussão valeria para o "exercício subsequente ao da apuração" do resultado primário do Governo Central. Como a apuração só é feita em janeiro, após o fechamento do ano fiscal, o gatilho seria acionado para 2027.
— Eu entendo que, literalmente, vale para 2027 mesmo. Acho que não deveria ser assim, mas é — avaliou, acrescentando que na época de discussão do pacote de corte de gastos houve essa percepção de que todos os gatilhos só valeriam para o próximo mandato presidencial.
Para o economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos, a interpretação do governo também é coerente:
— Embora a redação não seja tão elucidativa, parece-me razoável a interpretação de que o exercício subsequente ao da apuração seja 2027.
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