'Caso zero': a transcrição do quarto episódio
Produzido pelo jornal O GLOBO, o podcast "Caso zero" investiga um dos acontecimentos mais controversos envolvendo transplantes de órgãos no Brasil. Ao longo de cinco episódios, os jornalistas Bela Megale e André Borges mergulham na história que mudou o rumo dos transplantes no país.
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"Caso zero" também pode ser ouvido nas principais plataformas de áudio, como Apple e Spotify.
Abaixo, a transcrição do quarto episódio:
André Borges: "Caso zero" é uma série de podcast em cinco episódios. Esse é o quarto episódio. Se você ainda não escutou os primeiros, a gente recomenda que você pause aqui e ouça antes os episódios anteriores.
Cláudio Fernandes: Eu estava no meu consultório. Gozado, eu saí do meu consultório, tinha um carro da polícia embaixo. Nem me toquei e fui em direção à Unimed. Para passar por lá, eu tinha que cruzar em frente ao antigo consultório do Celso e vi outro carro da polícia lá também. Pensei: “tem alguma coisa errada”. Fui até a Unimed, fiz uma visita a um paciente que eu tinha operado e voltei para casa. Aí parei na porta de casa, aí por cima, pelo lado, desceram vários carros da polícia. Vieram falar comigo, dizendo que havia uma ordem de prisão. Aí falei com um tenente: me permite que eu avise pelo menos minha esposa do que estava acontecendo. E fui para a delegacia.
André Borges: Esse que a gente ouviu agora é o cirurgião Cláudio Fernandes. Ele foi um dos médicos que participaram da retirada de órgãos do Paulinho na Santa Casa, em fevereiro de 2014. O Cláudio e outros dois médicos — o cirurgião Celso Scafi e o anestesista Sérgio Poli — foram condenados pelo juiz Narciso Alvarenga, que estava à frente da Vara Criminal de Poços de Caldas. Naquela época, ele era um juiz de primeira instância.
Bela Megale: Os réus que são condenados numa decisão de primeira instância costumam responder em liberdade até que seus recursos sejam julgados e esgotados. Mas, nesse caso, Narciso Alvarenga ordenou que os três médicos fossem imediatamente presos, assim que ele deu a sentença sobre o caso do Paulinho.
Bela Megale: Para o juiz, aqueles médicos representavam um perigo iminente para a sociedade, mesmo sendo presos 14 anos depois do acidente.
Bela Megale: Eu sou Bela Megale.
André Borges: E eu sou o André Borges. E esse é o "Caso zero", a história que mudou o rumo do transplante de órgãos no Brasil. O podcast do jornal O GLOBO. Quarto episódio: Os médicos.
André Borges: No episódio anterior, a gente contou que os processos contra os médicos acusados pela morte do Paulinho foram separados em dois grupos. Os quatro médicos que atenderam o garoto no primeiro hospital, o Pedro Sanches, foram acusados de homicídio — por isso eles iam a um júri popular. A situação era outra para os outros três médicos que fizeram a cirurgia de retirada dos órgãos do Paulinho, o que aconteceu no segundo hospital, a Santa Casa. Eles foram acusados de retirar os órgãos e, por isso, levaram o menino à morte, infringindo a lei de transplantes. Então foram condenados diretamente pelo próprio juiz, o Narciso Alvarenga.
Bela Megale: Esse segundo grupo de médicos, formado pelo Celso Scafi, Cláudio Fernandes e Sérgio Poli, também foi dragado pelo caso. Durante anos, eles preferiram ficar em silêncio, por medo e desconfiança da mídia e da Justiça. Todos eles continuam morando em Poços de Caldas, e na nossa viagem para a cidade a gente procurou pelos três. Pela primeira vez, eles deram entrevistas para contar a sua versão da história.
Sonora Bela Megale: Meu nome é Bela, ele é o André. A gente tem horário com o doutor Celso Scafi agora.
Bela Megale: Celso Scafi é urologista e cirurgião. Você já escutou uma parte da nossa conversa com ele aqui no podcast. No primeiro episódio, ele contou sobre o dia da cirurgia, da retirada de órgãos do Paulinho. Tudo tinha corrido bem, e os órgãos retirados foram transplantados. Mas 12 anos depois, essa mesma cirurgia levaria Scafi para o banco dos réus.
Celso Scafi: Quando ele faz isso, então ele cria outro processo. E como não era processo por homicídio, e sim pela lei de transplantes, a gente não iria a júri popular. Ficaria a cargo de ele nos julgar de maneira singular. E aí então começa.
André Borges: E aí então começa! O que o Scafi chama de “outro processo” é o aditamento da denúncia pelo Ministério Público de Minas, que aconteceu em 2012. Com essa alteração — feita dez anos depois da primeira denúncia, apresentada pelo procurador federal Adailton Ramos — os três médicos da Santa Casa se tornaram réus, não por homicídio, mas por infringir a Lei de Transplantes. Eles teriam causado a morte do Paulinho quando retiraram os órgãos dele.
Cláudio Fernandes: E eu, que até então não me interessava muito por essa parte, vamos dizer assim, de legislação e tal... eu fiquei doido. Comecei a olhar tudo e co
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