
Bolivianos em SP acompanham desconfiados segundo turno presidencial, que pela primeira vez em 20 anos não terá representante da esquerda
O segundo turno das eleições da Bolívia, que ocorre hoje alheio à esquerda que governou o país por duas décadas — primeiro com Evo Morales e depois com Luis Arce —, tem sido marcado por incertezas entre os imigrantes que formam uma admirável comunidade no bairro do Brás, em São Paulo. Ainda que alguns deles celebrem a renovação política, outros demonstram ceticismo com as condições de vida da população e a capacidade de os candidatos colocarem a economia nos eixos.
Contexto: Escassez de combustíveis afeta distribuição de material para segundo turno na Bolívia
Entenda: Boric propõe uso de Forças Armadas nas fronteiras por 'decreto' para combater imigração ilegal
Juana Oxza, 49 anos, encaminhava uma mensagem a seus contatos sobre os locais de votação quando aceitou conversar com o GLOBO. Natural de Oruro, ao sul da capital La Paz, trabalha como recepcionista em um centro de imigração mantido por uma ONG que oferece ajuda para tirar documentos, procurar emprego e alugar um imóvel, entre outros serviços. Em um dia movimentado, mais de 200 pessoas de diferentes nacionalidades circulam por ali.
— Vim para conhecer o Rio e estou aqui há 13 anos, porque uma brasileira me acolheu e gosto muito das oportunidades. Mas, muitas pessoas que atendemos aqui vieram por necessidade. A situação piorou muito agora, não tem gasolina e a alimentação está muito cara. Eu fui no ano passado, em outubro, e não sei como o povo está sobrevivendo — conta.
Initial plugin text
Menos pior
Para ela, que atuava como enfermeira na Bolívia, o melhor período de que se lembra aconteceu com Evo Morales, ex-líder sindical dos plantadores de coca que ascendeu na política com o Movimento ao Socialismo (MAS) e governou o país entre 2006 e 2019. Os candidatos do partido, fragmentado e enfraquecido pela crise econômica, denúncias de corrupção e disputas internas ferozes, no entanto, foram arrasados nas urnas no primeiro turno.
A própria Juana não votou em nenhum dos nomes de esquerda — Eduardo del Castillo, do MAS, e o senador Andrónico Rodríguez eram os mais bem cotados — e preferiu apoiar Jhonny Fernández, prefeito de Santa Cruz de la Sierra, como um nome novo e por sua trajetória de empresário no ramo da cerveja. Morales, impedido de concorrer por uma decisão judicial, pediu a seus eleitores que anulassem o voto.
No segundo turno, ela pretende escolher o senador centrista Rodrigo Paz, economista e filho do ex-presidente Jaime Paz Zamora, que conseguiu colar a imagem de anticorrupção na chapa ao convidar Edman Lara, um capitão de polícia influente nas redes sociais, como candidato a vice.
Foi por esse mesmo motivo que Paz ganhou a simpatia de Daner Coasaca, 32 anos, um mecânico de máquinas de costura, desde 2017 no Brasil. Ele veio a São Paulo seguindo os passos do irmão e disse estar decepcionado em ver “sempre os mesmos nomes e partidos” com chances de vitória, em referência ao MAS e a Jorge Quiroga, o “Tuto”, que já foi presidente no começo dos anos 2000 e segue na disputa.
— Já estávamos cansados, e acho que é hora de surgir outro personagem.
Daner Coasaca, 32 anos, mecânico de máquinas de costura e outros equipamentos elétricos. Natural de Oruru, desde 2017 no Brasil
Foto: Edilson Dantas / O Globo
As pesquisas não costumam ser confiáveis na Bolívia. Muitas indicavam que Paz não superaria 10% no primeiro turno, e nenhuma antecipou que sairia líder do primeiro turno. Nas últimas semanas, Quiroga vem aparecendo à frente em várias pesquisas. No entanto, dado o elevado número de indecisos, ninguém se atreve a assegurar que o triunfo do ex-presidente esteja garantido.
— Somados, os votos nulos e indecisos totalizam cerca de 18%, e muitos deles poderiam optar, finalmente, por Rodrigo. Ninguém pode ter certezas neste momento — aponta o analista Gonzalo Mendieta.
Jhanneth Villca, 32 anos, entende que nenhum dos candidatos que restaram é o ideal. “Um não tem experiência”, ela diz sobre Paz, “o outro tem muito conhecimento, mas não tem bons antecedentes”, adverte sobre Quiroga. Ela tem dois filhos pequenos e vende produtos típicos na calçada de um ponto movimentado do bairro e em feiras de rua, aos finais de semana, junto com a tia, Segundina.
Jhanneth Villca, 32 anos. Ela e a tia, Segundina Dasa, 55 anos, vendem produtos típicos da Bolívia em feiras de rua
Foto: Edilson Dantas / O Globo
— Tuto já foi presidente durante um tempo. Por isso estamos avaliando, e ainda tenho muita dúvida do que vai acontecer. Não ouvi muitas coisas boas sobre Paz, mas ele é do partido cristão, então as pessoas têm esperança nele — diz Jhanneth.
Voto nulo
Há apenas quatro meses no Brasil, Cristian Flores, 30 anos, trabalha como atendente de uma barbearia. Natural de Santa Cruz de la Sierra, diz ter apoiado Paz no primeiro turno pelo “Capitão Lara”, mas não pretende repetir o voto.
— Não acredito que, ao longo do tempo, a economia melhore. Então, se tivesse a oportunidade de votar, seria nulo.
Fonte original: abrir