
Vagão feminino: A 'invasão' de homens desde o primeiro dia da lei em vigor
As cenas dos dois homens gritando ofensas para mulheres em um vagão feminino do Metrô, no Rio, mostram uma falta de respeito que pode até impressionar, mas está longe de ser uma novidade. Tanto o transporte subterrâneo carioca quanto os trens da Supervia contam com vagões para mulheres há quase 20 anos. Mas, já no primeiro dia da exclusividade, as passageiras tiveram que dividir o espaço com vários homens que não arredavam o pé dali nem sob gritos de protestos.
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Vagões exclusivos para mulheres no Rio foram uma conquista das passageiras, cansadas de homens que aproveitavam composições lotadas em horários de rush para molestá-las sexualmente. Aprovada pela Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) em 8 de março de 2006, Dia Internacional da Mulher, a lei que instituiu o vagão feminino nos dias úteis, das 6h às 9h e das 17h às 20h, foi sancionada pela então governadora, Rosinha Garotinho, obrigando o Metrô Rio e a Supervia a tomar as devidas providências.
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Os vagões para mulheres estrearam numa segunda-feira, 24 de abril de 2006. Os espaços femininos no metrô foram marcados com uma tarja cor-de-rosa e, nos trens da Supervia, com o símbolo de uma mulher. Mesmo com sinais óbvios, muitos homens ignoraram os avisos e não deixaram os espaços nem quando foram alertados pelas passageiras. "Estou acostumado com esse vagão e não vi nenhum cartaz. Enquanto tiver homem aqui, também vou entrar", disse um "cavalheiro" de 42 anos.
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Mônica Imbuzeiro
Os 150 trens da Supervia na época tinham sido adesivados na semana anterior, mas, de acordo com os seguranças, passageiros haviam arrancado várias marcações. Por causa disso, muitos passageiros saíram dos vagões depois de informados, ainda que contrariados. Um analista de sistemas de 20 anos estava dormindo, mas foi acordado por um segurança acionado pelas mulheres. "É discriminação. Tem direito para negros, idosos e, agora, mulheres. E o meu direito de ir e vir, onde fica?".
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Entrevistadas pela equipe do jornal naquele dia, várias mulheres elogiaram a lei, mas questionaram se a regra seria mesmo obedecida. "Adorei a lei. Nos vagões mistos, os homens ficam mexendo com a gente, fazem questão de encostar. Mas aqui não está muito diferente disso", disse uma passageira de 16 anos. "Criaram a lei porque os homens não têm educação, e eles continuam mostrando isso. Se não respeitam mulher, como querem que respeitem leis", queixou-se uma estudante de 22 anos.
Autor da lei, o então deputado estadual Jorge Picciani (PMDB) disse ao GLOBO que as "invasões" eram algo esperado no primeiro dia dos vagões femininos. O parlamentar achava que, com o tempo, aquilo deixaria de ocorrer. Os responsáveis pelo tema na Supervia e no Metrô Rio afirmavam o mesmo. Mas não foi bem assim. Desde então, várias reportagens do jornal mostraram que os espaços reservados para as mulheres no transporte público continuaram sendo invadidos por passageiros.
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Em março de 2013, sete anos após a aprovação da lei, uma equipe do GLOBO viajou durante dois dias em vagões femininos. Em uma sexta-feira, a repórter embarcou na estação da Supervia no Méier às 8h40m e seguiu até a Central. No do vagão feminino, havia 35 homens. Outros entraram ao longo do percurso, sem que nenhum segurança os abordasse. Na quarta-feira anterior, por volta das 18h, no metrô, não havia agentes retirando homens dos vagões no sentido Zona Sul. Eles entravam à vontade.
O desrespeito havia motivado ações judiciais. Uma passageira aguardava pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 18 mil. Em 2009, ela embarcou num vagão feminino na Central e viu que havia homens. Pouco depois, foi rendida por um deles, que a ameaçou com um objeto parecido com um punhal e roubou seu celular. No mesmo ano, a Supervia foi condenada a pagar indenização de R$ 10 mil a uma passageira molestada dentro de um vagão exclusivo dois anos antes.
Em 2016, outra reportagem do GLOBO relatou o caso de uma passageira de 51 anos que foi agredida por um homem quando estava filmando os "invasores" dentro do vagão feminino. " É uma lei só para inglês ver. Não há fiscalização e nem um esforço do metrô para informar os homens. Cabe a nós, mulheres, zelar para que a lei seja cumprida. É isso que faço todo dia. Já fui muito xingada e já levei até carteirada de procurador, mas agredida foi a primeira vez", contou a mulher, indignada.
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