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'Quando Rogéria voltou de cabaré francês, todo mundo saiu do armário. Paris chegou a ter 500 travestis brasileiras', diz autor

20/10/2025 07:31 O Globo - Rio/Política RJ

Audácia? Ah, foi a encenação da cerimônia de casamento da transformista Marquesa com o porteiro Abílio no Alfredão, pioneira boate gay em Copacabana, em 1962 — um escândalo nos jornais sensacionalistas, que levaram o caso a sério. Ou então, a pegação frenética no escurinho das salas de cinema de uma Cinelândia ainda cheia de pompa e circunstância. E que dizer dos concursos de miss no Maracanãzinho, em que os gays “já faziam uma paródia ali mesmo, nas arquibancadas”? E das meninas com coragem “de praticar esportes mais atribuídos aos homens, criando seus nichos de sociabilidade, ainda que mais fechados”?
Em “A audácia dos invertidos” (Editora Record), o jornalista e pesquisador musical Rodrigo Faour (autor de biografias de Cauby Peixoto e de Angela Maria, e também de uma “História sexual da MPB”) dá conta de inventariar “as estratégias de sobrevivência e visibilidade LGBTI+ no Rio de Janeiro e no Brasil”, como diz o subtítulo da obra, no período compreendido entre 1950 e 1990. Anos do babado, como se vai descobrindo ao longo da leitura das mais de 500 páginas do volume.
— É tudo muito ousado. Você vê que o desejo é uma coisa tão forte, querer existir, viver sua sexualidade de uma maneira plena é algo tão forte, que você é capaz de fazer mais loucuras por isso. E graças à audácia dessas pessoas é que eu e outros estamos aí hoje — credita ele. — Quando você conhece as pessoas, a história dessas pessoas mais perto, você começa a ver que faz parte daquilo também. Foi como se eu descobrisse outros tios, avós, pais... agora eu sei de onde eu vim! São pessoas da mesma idade dos meus pais que já estavam fervendo, até mesmo quando ainda eram adolescentes, fazendo a mesma coisa que faço hoje.
Gay que se assumiu em 1994, “no dia em que assisti a ‘Priscilla, a Rainha do Deserto’ numa festa B.I.T.C.H., no Tivoli Park, com a presença dos atores e do diretor do filme”, Rodrigo, hoje com 53 anos, encontrou uma maneira muito peculiar para espantar o marasmo dos dias de pandemia: começou a publicar no Facebook fotos que havia feito nos anos 1990, em points gays do Rio de Janeiro — e provocou uma comoção entre amigos, chegados e conhecidos. E descobriu ali que tinha um novo tema para sua tese de doutorado, que ia ser sobre Tom Jobim.
— Comecei a escrever sobre a minha época, mas fui voltando para o passado cada vez mais e, quando vi, tinha um negócio monstruoso de grande. Resolvi então deixar para um segundo volume os anos 1990, que é quando a comunidade começa a ter um novo status, até em termos de direitos — conta. — E decidi que o livro começaria nos anos 1950 por duas razões: porque tinha gente viva ainda para contar a história e porque foi ali que começou um movimento em torno dos bailes dos homens travestidos. Uma coisa era você só apontar as bichas na rua, outra coisa é você sair de casa e ir para um local público, só para ver elas passarem.
Existir, a vida gay carioca já existia há muito tempo (“a Praça Tiradentes, na virada do século XIX para o XX, já era um point gay, lá se passava o primeiro romance gay do mundo, ‘Bom-crioulo’, de 1895”, observa Rodrigo). E nos anos 1930, não custa lembrar, Madame Satã já fazia sua lenda na Lapa. Mas nada como o Baile do Travesti no João Caetano (um teatro do governo) que durante o carnaval reunia, junto com os héteros que apenas desejavam se vestir de mulher, os gays — alguns até menores de idade, que no dia a dia adotavam estratégias de resistência do tipo “você me prende aqui, porque tô dando pinta, no dia seguinte tô no mesmo lugar”.
Os cinemas da Cinelândia, os becos escuros, as manilhas da construção do Aterro do Flamengo.... todo lugar era lugar para os encontros fortuitos daqueles que a sociedade carioca tachava de “invertidos”, e que, nos anos 1950 e 60 começavam a se organizar como comunidade, a promover discretas festas em apartamentos e até a fazer seus próprios jornais, escritos nos mesmos bem-humorados códigos com que se comunicavam entre si no cotidiano.
— As posturas eram outras e armário era muito maior, mas na calada da noite, onde todos os gatos são pardos, numa época que não tinha câmeras era babadeiríssima! — informa Rodrigo Faour, que também inventariou no livro a cena gay feminina (menor e nada documentada), que teve na cantora Dora Lopes (dona de um histórico bar lésbico em Copacabana, o Caixotinho) um de seus expoentes.
Com sobreviventes da época, o pesquisador conseguiu não só depoimentos inéditos como muitos documentos raros (o maquiador Cezar Sepúlveda, por exemplo, lhe deu quatro exemplares do fanzine “Cinelândia à Noite”). E aí, amparado ainda por uma extensa pesquisa em jornais e revistas, ele conseguiu contar histórias de uma fervilhante noite gay em boates e peças de teatro de revista e até dos primeiros travestis a tomar hormônios femininos — caso de Jaqueline Dubois, que deu importante depoimento para o livro e faleceu no ano passado.
Antes que alguém acuse o carioca Rodrigo de bairrismo no livro, ele se defende:
— (Ao longo do trabalho) percebi

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