
Aguinaldo Silva sobre 'Três Graças': 'Novela traça um retrato de como nós estamos atualmente como sociedade'
Lígia Maria das Graças, Gerluce Maria das Graças, Joélly Maria das Graças. Avó, filha e neta que compartilham nome, teto e infortúnios. Ficaram grávidas precocemente e só dependem delas mesmas e uma das outras para alimentar a próxima geração.
'Vale tudo' termina com solução do mistério 'quem matou Odete Roitman'; confira o final da novela
Detetive: Vencedora de concurso em 1988 acerta mistério de Odete Roitman de novo em 2025
Parece coisa de novela, e é — as três (Dira Paes é Lígia; Sophie Charlotte faz Gerluce; e Alana Cabral, a Joélly) são o núcleo central de “Três Graças”, que estreia hoje na faixa das 21h da TV Globo no lugar de “Vale tudo”. Mas também espelham a vida real. Segundo o Censo de 2022, o último do IBGE, 49,1%, ou seja, quase metade dos lares brasileiros são sustentados por mulheres.
— Essa novela traça um retrato de como nós estamos atualmente como sociedade — diz o autor, Aguinaldo Silva, que retorna à emissora, agora num contrato por obra, depois de seis anos. — Claro, essa não é nossa intenção principal. Fazemos ficção, melodrama, ou seja, entretenimento. Mas quando você pode entreter o telespectador e, ao mesmo tempo, mostrar certas mazelas, acho que fica mais consistente.
Aguinaldo, que começou a trabalhar no início dos anos 1960 como repórter de polícia, assina a obra com Virgílio Silva e Zé Dassilva (“herdei do jornalismo a noção de equipe”, diz), mas teve a ideia da sinopse há cerca de 20 anos, ao observar a fila da Maternidade Leila Diniz, na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio. Chegou bem cedo para uma pesquisa e observou que maioria das grávidas eram meninas. A presença de homens era escassa. Na casa das Graças, é nula (veja mais personagens no box da página 2).
Joélly (Alana Cabral), Gerluce (Sophie Charlotte) e Lígia (Dira Paes)
Victor Pollak/Globo
— Essas três mulheres da novela estão ali numa repetição, num eterno retorno de uma história de gravidez na adolescência — diz Sophie Charlotte, a Gerluce, que, logo no capítulo de hoje, descobre que a filha, Joélly, de 15 anos, está grávida. — A escolha do Aguinaldo de ter essa casa feminina, de mães solos, manda um recado muito forte sobre quem é o centro pulsante da nossa sociedade.
Apesar da crueza da realidade, “a condução artística é de uma tragicomédia”, pouco naturalista, diz Sophie. Dira Paes, cuja personagem Lígia tem uma severa doença pulmonar, completa:
— O texto do Aguinaldo nos dá momentos de extrema leveza, como é a vida mesmo. Ninguém passa o dia chorando, ninguém é inteiro só de um jeito. Mas é uma novela de tintas fortes.
Questionamento ético
A doença da Lígia é o gancho para um questionamento ético importante na trajetória de Gerluce (“qual o limite da busca da justiça, de defender quem você ama?”), que, por sua vez, nos ligam aos vilões da trama, Arminda e Ferette (Grazi Massafera e Murilo Benício).
Amantes e sócios, eles estão por trás da falsificação dos remédios que são distribuídos gratuitamente na comunidade paulistana da fictícia Chacrinha, por meio de um subsídio governamental. Lígia é uma das pessoas que recebe esse remédio. Gerluce, por trabalhar na casa de Arminda, descobre a falcatrua e rouba o dinheiro vivo desviado. Ele fica guardado dentro de uma estátua das “Três Graças”, uma representação em gesso das deusas gregas Aglaia, Eufrosina e Tália, as filhas de Zeus que, na mitologia grega, representam a beleza, o encanto, a alegria e a abundância.
— O Ferette é o tipo de vilão que a gente, atualmente, vê todos os dias no noticiário — diz Aguinaldo. — O mais característico da Arminda é a ostentação, ela está sempre “no tipo”. As pessoas vão rir dela, embora saibam que é uma mulher horrorosa.
Uma espécie de Nazaré Tedesco, a vilã criada pelo autor para “Senhora do destino”, em 2004, interpretada por Renata Sorrah e imortalizada nos memes?
— Arminda é uma Nazaré, vamos dizer assim, mais sofisticada — diz o autor. — Nazaré, por trás de todos aqueles cabelos louros, era uma mulher do povo. Arminda não, ela acha que tem direitos que foram dados por uma questão de classe.
Aguinaldo garante que a vilã de Grazi vai fazer “coisas absolutamente inesperadas e surpreendentes”, que vão desafiar a lógica. Afinal, ele escreve novela e não mais reportagens.
— As pessoas podem dizer: “ah, mas ninguém é assim”. Claro que ninguém é assim, porque não é vida real, é ficção — diz o autor, vivendo no momento entre o Rio e São Paulo, mas morrendo de saudades de Lisboa, onde mora. — É possível que volte no fim de novembro se tudo correr bem. Hoje em dia você escreve de tudo quanto é lugar.
E isso não atrapalha os feedbacks, que ele antes tirava de papos na padaria, supermercados e por aí afora.
—Lembro que, na época de “Senhora do destino”, quando eu queria saber o que os homens estavam achando da novela, ia para o botequim da esquina, porque eles viam a novela lá. Eu ficava no meio de um bando de marmanjo, ouvindo os comentários sobre a Nazaré. Hoje, você tem a internet, que é um vastíssimo botequim da esquina.
Sarcástico e d
Fonte original: abrir