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Pesquisa identifica doenças que dizimaram o exército de Napoleão na invasão da Rússia em 1812

25/10/2025 09:59 O Globo - Rio/Política RJ

O exército de Napoleão, faminto e congelando, sofreu uma série de infecções bacterianas durante a fracassada invasão da Rússia em 1812, concluiu recentemente um estudo francês publicado na revista Current Biology. Pesquisadores analisaram 13 dentes de soldados enterrados em uma vala comum em Vilnius, na Lituânia, e identificaram DNA de dois patógenos até então não associados à campanha.
Uma delas é a febre recorrente, infecção transmitida por piolhos que se assemelha ao tifo e causa febre alta, dores nas articulações, fortes dores de cabeça, náusea, vômito e fadiga extrema. A outra é a febre paratifoide, transmitida por alimentos ou água contaminados, cujos sintomas incluem febre alta, dor de cabeça, fraqueza e dor abdominal.
Embora outras doenças infecciosas também sejam suspeitas de ter contribuído para as mortes, o estudo acrescenta dois novos agentes ao registro histórico. “Este é um trabalho realmente bom”, disse Kyle Harper, historiador da Universidade de Oklahoma que não participou da pesquisa. Segundo ele, “é um estudo de caso histórico interessante” de algo que chamou de “um episódio extraordinário de sofrimento humano”.
Mary Fissell, historiadora da medicina da Universidade Johns Hopkins, também não envolvida na pesquisa, alertou contra tirar conclusões amplas de um estudo baseado em apenas 13 dentes.
Os próprios pesquisadores concordaram com a cautela. Nicolas Rascovan, especialista em DNA antigo do Instituto Pasteur, em Paris, e autor principal do artigo, afirmou que não acredita que os dois patógenos identificados sejam a única causa das mortes. Muito mais importante, segundo ele, era o fato de que os homens estavam famintos, desidratados e congelando.
— Nessas condições, qualquer doença infecciosa pode matar pessoas — explica.
A invasão da Rússia inspirou Guerra e Paz, de Liev Tolstói, e continua a fascinar historiadores. Desde a chegada das tropas a Moscou, tudo deu terrivelmente errado: os moscovitas haviam incendiado a cidade antes de abandoná-la. Não havia comida nem suprimentos. Logo, os soldados franceses estavam “implorando por um pedaço de pão, por linho ou pele de carneiro e, acima de tudo, por sapatos”, segundo um relato da época.
Em outubro, Napoleão ordenou a retirada. Mas o pior ainda estava por vir para os homens já enfraquecidos — um inverno gélido e quase sem alimento. As condições eram tão severas que doenças normalmente não fatais se tornaram letais. Soldados doentes tombavam, congelados ao longo da paisagem coberta de neve.
'Desespero'
O médico francês J.R.L. de Kirckhoff, que acompanhou a campanha, descreveu a cena: “Soldados incapazes de seguir adiante caíam e se resignavam à morte, naquele estado horrível de desespero causado pela perda total das forças morais e físicas, agravado ao máximo pela visão de seus camaradas estendidos sem vida sobre a neve. Durante uma retirada tão precipitada e fatal, em um país desprovido de recursos, em meio à desordem e confusão, o triste médico foi forçado a permanecer um espectador atônito dos males que não podia deter, aos quais não podia aplicar remédio algum”.
Kirckhoff listou entre as doenças que afligiam os homens o tifo, a diarreia, a disenteria, as febres, a pneumonia e a icterícia.
Em 2006, outro grupo de pesquisadores havia relatado ter encontrado fragmentos de piolhos do corpo no solo da vala comum em Vilnius. Três deles carregavam bactérias da febre das trincheiras, e bactérias do tifo e da febre das trincheiras também foram encontradas nos dentes de alguns soldados. No entanto, à época, a tecnologia para estudar DNA antigo ainda era incipiente, o que tornava as conclusões menos precisas.
No fim, os escritos de Kirckhoff e as descobertas científicas atuais apontam para a mesma conclusão: não foram os ferimentos de batalha que mataram a maioria daqueles homens, mas a fome e o frio que abriram caminho para as doenças infecciosas. “A taxa de desgaste do exército é extraordinária”, disse Harper, “e destaca como, antes do século XX, o que chamamos de guerras eram, em grande parte, eventos médicos.” As infecções, acrescentou ele, “são doenças que exploram o sofrimento humano.”

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