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Mães de bebês mortos na tragédia que tornou o Brasil réu em corte internacional contam como sobreviveram ao drama

20/10/2025 07:30 O Globo - Rio/Política RJ

O tecido branco, com bordas rosadas e o desenho de uma fada, já amarelado pelo tempo, não pesa quase nada, mas carrega 29 anos de luto. Trata-se de uma lembrança guardada por Helena Gonçalves dos Santos, de 44 anos. Ela aperta forte contra o peito a manta bordada à mão, em 1996, época em que vivia sua gravidez. Seria um presente para a filha. Mas o calor da mãe, traduzido em lã e ponto cruz, jamais pôde aquecer a criança. A peça é, hoje, símbolo da saudade que Helena sente de Paloma, menina que veio ao mundo com o vigor de um choro forte, mas morreu nove dias após o parto, em Cabo Frio, na Região dos Lagos do Rio.
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— Filha, mamãe queria estar com você, mas, infelizmente, isso foi tirado de mim — sussurra Helena, que chora, ao contar sua trajetória.
Paloma é uma das 96 crianças que morreram na Clínica Pediátrica da Região dos Lagos (Clipel) entre junho de 1996 e março de 1997, vítimas de um surto de infecção hospitalar. Após quase três décadas, o caso levou o Estado Brasileiro a julgamento inédito na Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), por violações sistemáticas ao direito à saúde de recém-nascidos e suas famílias. Na cidade que foi palco dessa tragédia, mães das vítimas vivem a expectativa de um veredicto.
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Dor e revolta
Enquanto espera, Helena busca forças junto a outras mães com as quais compartilha uma aflição sem fim, como Gerusa Santana Jovenal, de 48 anos, e Lorena de Sousa, de 45. Dor, resignação e revolta são alguns dos sentimentos que elas alternam há anos. Tornaram-se combustível para nunca desistirem de perseguir a justiça, mesmo quando toda a cidade parecia querer esquecer — ou ao menos silenciar — o drama.
O lamento de Helena não é apenas memória, mas um desabafo vivo:
— Não pude tocar na minha filha. Não pude amamentá-la, nem a segurar em meus braços. Somente pude ouvir o seu choro. Lembro como se fosse hoje. Eu estava fraca demais para levantar daquela maca. Mal sabia eu que aquela seria a última vez que veria minha bebê com vida. Na primeira e única vez que toquei na minha filha, ela já estava morta. Tiraram o meu direito de ser mãe.
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Protesto quando as vítimas ainda eram 82
Reprodução
Helena tinha apenas 15 anos quando deu à luz — quando engravidaram, Gerusa estava com 19 anos e Lorena, 17. A primeira das três foi internada no dia 25 de novembro de 1996, já com nove meses de gestação e fortes dores na barriga. Não havia muitas maternidades na região, e a decisão médica foi levá-la à clínica conveniada com o SUS em Cabo Frio, especializada em obstetrícia.
— Estava com somente dois centímetros de dilatação. Lembro de ser recebida e colocada em uma sala gelada, em cima de uma maca de ferro, usando apenas um avental e totalmente sozinha — contou Helena.
Os médicos insistiam que o parto dela deveria ser normal, mas a dilatação não evoluía. Helena ficou sete dias internada, pensou que fosse morrer, mas só pensava em salvar a filha. No dia 1º de dezembro, sentiu a cabecinha da menina sair:
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— Sem ajuda, gritei e a empurrei com muita força. Então, ela nasceu. No quarto, só havia eu e ela. Uma enfermeira passava pelo corredor e, ao ouvir meus gritos, veio, a pegou, cortou o cordão umbilical e depois a levou para a UTI, sem me dizer nada. Não pude tocar na minha filha.
Durante as visitas, a família levava o leite e recebia sempre a mesma resposta dos médicos, mas sem muita explicação sobre seu quadro clínico: “Ela está bem”. O drama, porém, se aprofundava em silêncio. Helena foi para casa. Paloma, não.
— Eu estava de resguardo quando fui visitar a Paloma. Entrei na clínica atrás de explicações, quando uma moça da limpeza olhou para mim e disse que a minha bebê estava na pedra — relatou.
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A “pedra” à qual a funcionária se referia era uma bancada de mármore que ficava no altar da capela mortuária do hospital. Foi nesse lugar descrito como escuro e frio, com algumas velas acesas, que Helena entrou e viu um pequeno embrulho, enrolado num lençol branco, com seu nome escrito.
— Eu me aproximei e, ao abrir o lençol, vi que era a minha filha. A primeira e única vez que toquei na minha filha foi com ela morta — lembra a mãe.
A descrição médica no prontuário de Paloma confirma a desconfiança de Helena de que a filha nasceu bem, mas sofreu algo que causou sua morte: “Foi admitida às 17h no berçário na companhia da enfermagem, ativa, choro for

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