Festival WOW começa nesta sexta-feira no Complexo da Maré e tem presença confirmada das escritoras Conceição Evaristo e Sueli Carneiro
Fugindo da seca, a família de Eliana Sousa deixou a Paraíba em 1970, em busca de melhores condições de vida no Rio de Janeiro. A menina, então com 7 anos, frustrou-se ao reconhecer no Complexo da Maré, seu destino carioca, mazelas semelhantes às de sua terra natal. Palafitas, além da falta de saneamento e de outros serviços públicos, pareciam persegui-la. Adolescente, participou de trabalhos sociais com outros jovens da comunidade. Depois, tornou-se presidente da associação de moradores local. Fez graduação em Letras, mestrado em Educação e doutorado em Segurança Pública. Aos 63 anos, segue à frente da ONG Redes da Maré, que ajudou a fundar em 2007. Referência na promoção de direitos, a instituição sedia, a partir desta sexta-feira (24), a terceira edição no Rio do Festival Mulheres do Mundo – WOW, planejado para conectar lideranças e vozes femininas, como as de Eliana.
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Entre as convidadas deste ano estão a escritora Conceição Evaristo, a filósofa e escritora Sueli Carneiro e as ministras Anielle Franco, da Igualdade Racial, e Macaé Evaristo, dos Direitos Humanos e Cidadania. O tema, “Justiças”, inspira debates sobre direito reprodutivo, desafios climáticos e desigualdades econômicas. A programação, que vai até domingo, ocupa 12 espaços na Maré administrados pela ONG — 100 monitores, uniformizados com camisetas cor de rosa, estão a postos para orientar o público.
— Costumo dizer que o festival, na verdade, é um encontro. Uma oportunidade para trocas de conhecimentos, de vivências, perspectivas, principalmente porque é formado por mulheres plurais, que têm olhares distintos sobre a vida. Temos tanto a descobrir umas com as outras... ainda mais com aquelas que estão pensando em processos de transformação do mundo — explica Eliana.
Liderança. Eliana Sousa, da ONG Redes da Maré, que recebe a terceira edição do Festival Mulheres do Mundo — WOW
Divulgação
A Maré é feminina
Idealizado pela produtora britânica Jude Kelly em 2010, o Festival WOW já passou por 23 países da Europa, da Ásia e da África — o Rio foi a única cidade a sediá-lo na América Latina. As edições cariocas anteriores aconteceram na Praça Mauá, no Centro, e a ideia de levá-lo à Maré, observa Eliana, é uma forma de conectar o público a territórios potentes, mas frequentemente marginalizados. O complexo, por si só, dá forma ao feminino em discussão no evento: mulheres representam 51% da população local e são maioria na chefia das famílias da região, aponta o mais recente censo feito pela Redes.
— É possível falar que a Maré é um corpo feminino. Desde o início, as mulheres são as principais articuladoras das mudanças sociais por lá. Não há um movimento, um projeto, que não tenha a presença delas. A Maré, assim como as mulheres, ainda luta pela própria existência, ainda causa incômodo, busca criar narrativas próprias, distantes daquelas estigmatizantes que tanto prejudicam os moradores — afirma.
Essas narrativas, inclusive, constantemente se voltam contra Eliana, que só aprendeu a lidar com elas devido à maturidade acumulada em 50 anos de liderança comunitária.
— Meu papel é muito criminalizado. No início, eu me chateava muito, mas, depois, entendi que fazia parte do processo, de ser quem eu sou dentro do território que eu venho. Há pessoas que questionam os recursos da ONG, preciso mostrar o tempo todo que sou honesta. Mas sei que isso tudo é ignorância. A situação das favelas só não está pior porque há interessados assumindo lideranças nas transformações — completa.
A entrada no festival é gratuita, e ingressos podem ser retirados de forma presencial. A programação completa (que pode ser acessada em www.festivalmulheresdomundo.com.br) inclui shows, feira de empreendedoras, campeonato de futsal e corrida, guiada pela jornalista Carol Barcellos no domingo. O deslocamento pode ser feito por transporte público, com acesso ao BRT na Avenida Brasil.
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