
Estudo revela em que partes do corpo o HIV se esconde, abrindo caminho para novos tratamentos
Cientistas da Universidade Western e da Universidade de Calgary, no Canadá, identificaram como o HIV se esconde em diferentes partes do corpo, motivo pelo qual o tratamento com antivirais consegue controlar, mas não eliminar por completo o vírus do organismo.
No estudo publicado na revista científica Communications Medicine, os autores descobriram que o patógeno se disfarça no DNA de células infectadas no cérebro, no sangue e em partes do trato digestivo, usando padrões específicos de cada tecido. No cérebro, por exemplo, ele se esconde em regiões menos ativas do código genético.
“Descobrimos que o HIV não se integra de forma aleatória. Em vez disso, ele segue padrões únicos em diferentes tecidos, possivelmente moldados pelo ambiente local e pelas respostas imunológicas. Isso ajuda a explicar como o HIV consegue persistir no corpo por décadas e por que certos tecidos podem atuar como reservatórios de infecção”, resume Stephen Barr, professor de Microbiologia e Imunologia na Western, em comunicado.
Hoje, há tratamentos efetivos que conseguem reduzir a carga viral do HIV em pessoas que vivem com o vírus e torná-lo inclusive indetectável e intransmissível. No entanto, caso o indivíduo interrompa o uso dos medicamentos, o patógeno volta a se replicar no organismo.
Isso acontece devido a algo chamado de persistência viral. Enquanto os remédios atacam as partículas ativas, em circulação no corpo, parte do HIV entra em um estado de “dormência”, ou “latência”, e se esconde do tratamento. Mais cedo ou mais tarde, esses vírus acordam e voltam a se replicar.
“Saber onde o vírus se esconde em nossos genomas ajudará a identificar maneiras de atingir essas células e tecidos com abordagens terapêuticas direcionadas — seja eliminando essas células ou ‘silenciando’ o vírus de vez”, diz Guido van Marle, professor de Microbiologia, Imunologia e Doenças Infecciosas na UCalgary.
No trabalho, eles utilizaram amostras de tecidos de pessoas que viviam com HIV nos primeiros anos de disseminação do vírus, por volta de 1993. Na época, não existiam tratamentos como o de hoje, o que permitiu que os cientistas analisassem de forma inédita o comportamento “natural” do patógeno no corpo, sem a influência dos antivirais.
“A disposição delas em doar amostras, em um momento de estigma, medo e com opções limitadas de tratamento, foi um ato de coragem, visão e generosidade que continua a ampliar a compreensão científica sobre o HIV e a salvar vidas hoje”, afirma van Marle.
Foram analisadas amostras retiradas do esôfago, sangue, estômago, intestino delgado, cólon e cérebro. Os pesquisadores avaliaram com que frequência o vírus se integrava em regiões específicas do DNA de cada tecido e compararam esses padrões entre as diferentes partes do corpo humano infectadas.
A pesquisa foi financiada pelos Institutos Canadenses de Pesquisa em Saúde e pelo Programa Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde do Canadá.
“Nosso estudo é um exemplo poderoso de como podemos aprender com amostras históricas para compreender melhor um vírus que continua a afetar dezenas de milhões de pessoas em todo o mundo”, complementa Barr.
Em 2023, um outro estudo, publicado na Communications Biology, também avançou em desvendar os mecanismos da dormência do HIV. Cientistas da Espanha e do Japão descobriram que uma proteína chamada Schlafen 12 (SLFN12) impede a reversão do HIV do estado de latência para o de atividade.
"Bloquear as funções do SLFN12 deve aumentar a expressão da proteína viral e, assim, permitir que o sistema imunológico do hospedeiro, e os medicamentos antivirais, eliminem melhor os reservatórios virais. Você recupera seu alvo. Então, você pode atacar e, com sorte, eliminar definitivamente as células infectadas latentes", disse o autor do estudo Andreas Meyerhans, professor e pesquisador do Instituto de Pesquisa e Estudos Avançados (ICREA) da Universitat Pompeu Fabra, na Espanha, em nota divulgada na época.
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