Com obras em duas mostras no Rio, Leonardo Bora e Gabriel Haddad falam de enredo sobre Heitor dos Prazeres
Desde 2023, quando assinaram a exposição “Laroyê, Grande Rio”, no Museu de Arte do Rio (MAR), inspirada no desfile “Fala, Majeté! Sete chaves de Exu”, campeão do carnaval carioca no ano anterior, Leonardo Bora e Gabriel Haddad levam aos museus um pouco do que criam para a Sapucaí. Na exposição no Paço Imperial dedicada aos vencedores da 16ª edição do Prêmio Pipa, que os os carnavalescos dividem esse ano com Andréa Hygino, Darks Miranda e Flávia Ventura, está exposta a instalação "Rebordar", criada pela dupla.
COP é pop: Do estilo colonial ao modernismo do 'raio-que-o-parta', Belém mantém viva na arquitetura sua História
Mais de 600 obras: Exposições em cartaz no Rio e em São Paulo destacam a diversidade da arte popular
Os dois também estão entre os 25 artistas da coletiva "Manguezal", que será inaugurada nesta terça-feira (28), para convidados, e no dia seguinte para o público, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) do Rio. Com curadoria de Marcelo Campos, a mostra é inspirada no livro de mesmo nome publicado em 2023 pela editora Andrea Jakobsson Estúdio, ilustrado com imagens do fotógrafo e ambientalista Enrico Marone. No térreo do CCBB, Bora e Haddad apresentam a instalação "Vermelho-mangue", que recria a alegoria "Quem é do barro, no igapó, é caruana", do desfile da Grande Rio de 2025, da qual eram carnavalescos, com o enredo "Pororocas parawaras: As águas dos meus encantos nas contas dos curimbós", vice-campeão do Grupo Especial.
Instalação 'Vermelho-mangue', de Leonardo Bora e Gabriel Haddad
Divulgação/Rafael Arantes
Em mais uma relação entre arte e carnaval, mas na via oposta, os atuais carnavalescos da Vila Isabel preparam um desfile que homenageia uma das maiores referências das artes visuais brasileiras no século XX, Heitor do Prazeres (1898-1966). No enredo "Macumbembê, samborembá: Sonhei que um sambista sonhou a África", Bora e Haddad vão destacar Heitor como um multiartista: pintor, figurinista, compositor, cantor e músico, além de figura atuante no carnaval, participando da fundação de escolas como Portela e Mangueira.
— O Heitor participou de tudo o que podia na sua época. Pintura, música, escola de samba, bloco, teatro. Estava nas galerias, na Rádio Nacional, participou das duas primeiras edições da Bienal de São Paulo (em 1951 e 1953), e agora tem suas obras expostas lá este ano de novo — destaca Haddad. — Como artistas do carnaval, temos o desafio de traduzir isso ao público da Sapucaí.
Um contato anterior da dupla com o artista, em outra aproximação com o ambiente dos museus, se deu com a criação da instalação "Roda gira", em parceria com Jovanna Souza e Winnie Nicolau, que ocupou a rotunda do mesmo CCBB durante a retrospectiva "Heitor dos Prazeres é meu nome", em 2023.
— Ali a gente começou ver o potencial do Heitor para se transformar num gigantesco enredo. Já conhecíamos a história, algumas obras, mas mergulhando naquele universo nós nos perguntávamos como ninguém ainda tinha feito isso no Grupo Especial — conta Haddad. — Esse ano, com a ida para a Vila Isabel, podemos transformá-lo em realidade.
Montagem na rotunda do CCBB do Rio, com figuras reproduzindo personagens pintados por Heitor dos Prazeres
Guito Moreto
Leonardo Bora conta que, em 2023, os dois já haviam tido a oportunidade de mergulhar nos rascunhos de Heitor e nas memórias de sua família, uma experiência que ampliam este ano, com o enredo.
— Tem sido um sonho coletivo. Aliás, o próprio Heitor brinca com essa ideia de sonho, que é uma dimensão às vezes é pouco debatida no seu trabalho, assim como a macumba — comenta Bora. — A gente está acostumado com uma lógica escultórica no carnaval que é o tridimensional, com uma volumetria para ocupar espaço. O desfile vai brincar com tudo isso, a partir da tradução da linguagem das suas pinturas.
Leonardo Bora e Gabriel Haddad ao centro, ao lado de Gabriella Marinho (esq.), Azizi Cypriano e Antônio Gonzaga, no CCBB do Rio
Leo Martins
Bora adianta ainda que o desfile irá destacar as muitas conexões protagonizadas por Heitor, com seu trânsito pelos mais diferentes meios:
— Ele era uma espécie de embaixador, que fazia essa mediação de universo simbólico e dos círculos culturais. Quando o Walt Disney vem ao Brasil e o Paulo da Portela o leva para ver a roda de samba, o Heitor estava junto. Ele foi o cicerone da Josephine Baker no Rio. Transitava pelo Cassino da Urca, pelo Copacabana Palace, pela Rádio Nacional, fazia turnês no exterior. E agora tem esse protagonismo novamente, com exposições, voltando à Bienal.
Fonte original: abrir