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Chef Bel Coelho lança livro e ‘boat movie’ sobre sistemas alimentares da Amazônia durante a COP30

27/10/2025 07:31 O Globo - Rio/Política RJ

Se fosse batizar um prato com o próprio nome, Bel Coelho escolheria o tempurá de pimenta-de-cheiro com camarão e bacuri. “Agora. Depois posso mudar, né?”. A predileção por um preparo que leva a fruta amazônica — “Minha favorita!” — diz um tanto sobre a história e o momento da chef paulistana de 46 anos. E também sobre quantas águas rolaram desde que um antepassado dela, o diplomata Oswaldo Aranha, nomeou o clássico filé com alho, arroz, batata e farofa. No tempo do bisavô, era normal um cliente importante entrar num restaurante e mandar o cozinheiro fazer assim ou assado — algo que hoje ela não toleraria. As visões sobre a Amazônia também mudaram de lá para cá. E a de Bel, que passou 40 dias viajando pela região em 2025, norteia o documentário e o livro “Floresta na Boca”, com lançamento previsto para novembro, durante a COP30 em Belém. “Fui para a Amazônia pela primeira vez em 2003. É tão intensa, tão profunda e tão fundamental para nossa existência, tanto do Brasil como do mundo, que não tem como não não ser transformadora, não tem como sair ileso de lá”, diz. “Chego carregada dos vícios de morar num grande centro, de mulher branca, de privilégio; e saio mais humilde”. Autora do texto do livro “Floresta na boca”, a jornalista Janaina Fidalgo considera Bel “uma força da natureza”. “É lindo ver a maneira como ela navega na vida, com tanta energia, disposição e empenho para lutar pelas causas que lhe são caras.”
Para fazer seu road movie — ou “boat movie”, na definição da fotógrafa e diretora Carol Quintanilha —, Bel e uma equipe de 5 mulheres percorreram os rios Xingu, Iriri, Novo, Tapajós, Arapiuns e Baixo Tocantins. “Foi surpreendentemente harmônico e equilibrado, não teve uma briga, uma discussão, nada”, afirma Bel. Dormiram em rede, tomaram banho gelado, compartilharam banheiro. E estranharam a falta de espelho — item raro nas comunidades. “Faz a gente ressignificar a vaidade e a forma como se enxerga”, diz a chef. “Muda a presença, para melhor.”
As reações diante da chegada da equipe variavam. “A gente gerava uma curiosidade e uma admiração nas mulheres; ternura até. E causava um incômodo, claro, nos homens”. A liderança feminina na luta socioambiental é um dos temas abordados no filme. “As mulheres têm um papel gigantesco, e não só no front, como Marina Silva, mas na comunidade.”
Brandade de pirarucu seco com gema curada, receita do livro "Floresta na boca", de Bel Coelho
Divulgação
Bel já rodou o Brasil gravando o programa “Receita de Viagem”, em 2012, e montou menus inteiros inspirados em biomas brasileiros. Agora, na volta para a estrada com um projeto audiovisual, está mais madura, com dois filhos (“Eles são minha primeira motivação. Quero que tenham um planeta possível”), solteira por opção (“É uma resistência. Não quero abrir mão de ser livre e dar satisfação ou fazer manutenção das demandas de um homem”). E sente que o próprio olhar mudou. “Tinha um olhar mais ingênuo. ‘Ah, eu quero que todo mundo conheça os ingredientes, porque é maravilhoso.’ Tinha noção de que se a gente consumisse esses alimentos, ia conservar a biodiversidade, mas não tinha tanto noção de que precisava ser através das histórias humanas”, diz. “Precisamos lutar para que essas pessoas sobrevivam financeiramente, com políticas públicas ou iniciativa privada”.
Para colaborar na luta, quer montar em Altamira um centro de inovação que fomente e compartilhe saberes das comunidades. Busca financiamento para isso.
Em seus restaurantes em São Paulo — o Clandestina e o Cuia —, atua na defesa da descolonização do gosto. “Até quando a gente vai ficar pagando pau para um tipo de menu degustação totalmente europeizado? Eu sei fazer esse tipo de técnica, estudei lá, mas não tenho mais interesse”. Cada vez mais, torce o nariz para a “alta gastronomia pomposa”: “Questiono esse modo de consumo exacerbado que está levando a um aquecimento global que vai impedir que a humanidade siga na Terra.”
Segue acreditando no poder da cozinha — de outro jeito. “O comer está diretamente ligado ao nosso prazer, à nossa felicidade, à nossa alegria. Mas não são esses menus que necessariamente colocam a gente nesse lugar.” O que coloca a gente nesse lugar? “Pessoas queridas, uma comida boa e uma mesa, que pode ser num restaurante ou não.”
Points de Belém, segundo a chef
Casa do Saulo: Espaço do chef Saulo Jennings dentro da Casa das Onze Janelas.
Celeste: Da chef Esther Weyl, de gastronomia autoral com ingredientes locais.
Iacitata: “Indico como comida paraense mais clássica.”
Caranguejo do Gatinho Estrela: “Caranguejo servido de várias formas e cerveja supergelada.”

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