Antônio Gois: Desigualdade racial é maior no topo
A desigualdade racial é uma das características mais marcantes da sociedade brasileira. Mas, no mercado laboral, os mecanismos associados à disparidade salarial entre brancos e não brancos variam muito de acordo com a posição do trabalhador na pirâmide de renda. E a educação, especialmente no grupo dos mais ricos, é parte relevante da explicação.
Essas são algumas das conclusões do artigo “Racial earnings gaps: the role of private schooling, technical education and graduate degrees” (“Diferenças raciais de renda: o papel do ensino privado, da educação técnica e dos cursos de pós-graduação”), de autoria dos pesquisadores Alysson Portella e Michael França (ambos do Núcleo de Estudos Raciais do Insper) e recém-publicado no renomado periódico The Journal of Development Studies.
Os autores utilizaram dados de 2018 e 2019 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do IBGE, e dividiram a população adulta no mercado de trabalho em 20 estratos de renda. Para cada uma dessas faixas, eles analisaram características de trabalhadores brancos e não brancos, buscando decompor os fatores que mais se associavam à diferença de renda.
Os maiores diferenciais foram verificados no grupo de trabalhadores que estão entre os 5% de maior renda, no qual pessoas brancas chegam a ganhar, em média, 123% a mais do que pessoas não brancas. Já entre os 5% mais pobres, a diferença é de 57%.
O ponto onde as desigualdades raciais são menores é próximo do meio da distribuição de renda. Os autores atribuem isso ao efeito do salário-mínimo, que neutraliza, nesse estrato específico, outros mecanismos que poderiam contribuir para a desigualdade. Porém, à medida que avançamos para o topo na distribuição de renda, a segregação educacional e ocupacional se torna mais relevante, assim como diferenças inexplicáveis que provavelmente refletem, na avaliação dos autores, a discriminação racial.
No topo da renda, duas variáveis relevantes na análise das desigualdades são ter um diploma de pós-graduação e ter frequentado uma escola particular. Na base, o tipo de contrato de trabalho (se formal ou informal, por exemplo) e a localização geográfica são mais importantes.
Para os autores, “a qualidade da educação, e não apenas o tempo de estudo, é um ponto crucial” para entender as desigualdades salariais no topo da renda. Sobre este ponto, não há dúvida de que a qualidade da escola importa, que o desempenho médio no setor privado é maior do que no público, e que é urgente reduzir desigualdades no acesso a melhores oportunidades educacionais. Mas, como o nível socioeconômico das famílias é o fator que mais explica o desempenho de alunos em testes, é preciso considerar também que uma parte significativa do melhor desempenho de escolas particulares seja simplesmente o fato de serem acessíveis apenas a um grupo restrito da população. As desigualdades no desempenho, em boa parte, portanto, são explicadas pelas características das famílias.
Os achados de Portella e França reforçam que desigualdades verificadas no mercado de trabalho precisam ser combatidas desde a base, assegurando acesso a escolas de qualidade para os grupos mais vulneráveis. Porém, a educação, sozinha, tampouco será suficiente para reverter a desigualdade racial, visto que há outros mecanismos, nem sempre mensuráveis em pesquisas quantitativas, que também alimentam a discriminação racial no mercado de trabalho.
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