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Artigo: Eleições vivem do (des)equilíbrio entre as duas faces do tempo

26/10/2025 06:31 O Globo - Rio/Política RJ

39 segundos. Foi o tempo que durou a química entre os presidentes Lula e Trump nos bastidores da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, no dia 23 de setembro. Essa é a métrica quantitativa do encontro. Já o valor qualitativo só é possível estimar através das sucessivas pesquisas. Quem sabe, configure um turning point (ponto de virada, no sentido amplo do termo) na relação entre os dois países.
A um ano: Lula se recupera para tentar repetir guinada de 2006, mas popularidade segue inferior à de quem conseguiu vencer as eleições
A mitologia grega sugere o equilíbrio entre essas duas faces do tempo, Cronos (o quantitativo que quando passa, tudo devora) e Kairós (o qualitativo da oportunidade em momentos decisivos). Em processos eleitorais, no entanto, esse equilíbrio inexiste. Um ano para o pleito presidencial na dimensão de Cronos é o equivalente a pelo menos o dobro disso pela intensidade que Kairós pode empregar à disputa.
O fato de o presidente Lula (PT) liderar a corrida a 12 meses da eleição é importante, principalmente por se tratar do atual ocupante do cargo, mas reflete o passado, saldo da história, do que propriamente um indicador de futuro. As eleições presidenciais brasileiras são férteis em subverter as dimensões do tempo.
Na primeira eleição presidencial pós-redemocratização, em 1989, por exemplo, o inusitado lançamento da candidatura de Silvio Santos (PMB), a 15 dias do pleito, embaralhou completamente a disputa e só não gerou mais confusão porque o TSE impugnou sua candidatura, declarando-o inelegível.
Em 1994, Lula chegou a liderar a corrida com 25 pontos percentuais de vantagem sobre Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O tucano, então ministro da Fazenda de Itamar Franco (PMDB), só ultrapassou o petista em agosto, após implantação do real, e foi eleito em primeiro turno com 54% dos votos válidos.
Quatro anos depois, FHC postergou a desvalorização da moeda para se reeleger no primeiro turno. Mesmo assim não escapou às picardias de Kairós — uma declaração sobre aposentadorias precoces fez o então presidente perder oito pontos percentuais e Lula empatar tecnicamente a disputa.
Em 2002, a primeira vitória de Lula quase sobe no telhado em julho quando o petista caiu sete pontos e viu Ciro Gomes (PPS), uma espécie de terceira via na época, crescer 16. A desconstrução de Ciro foi tão rápida quanto sua ascensão.
Em 2006, apesar do escândalo do mensalão no ano anterior, mas com taxas recordes de popularidade, especialmente pela inclusão social de classes populares, Lula chegou a ter 56% dos votos válidos em pesquisas de intenção de voto, perdeu apoio e teve que disputar o segundo turno com Alckmin, seu atual vice, candidato do PSDB na ocasião.
Em 2010, primeira eleição para presidente sem Lula, José Serra, em março, tinha vantagem de 10 pontos percentuais sobre Dilma Roussef (PT), que era desconhecida por boa parte do eleitorado. Dilma só conseguiu consolidar-se depois do início do horário eleitoral gratuito, em agosto.
Quatro anos depois, a trágica morte de Eduardo Campos (PSB) lançou a candidatura de sua vice, Marina Silva (Rede), que cresceu 13 pontos percentuais em 13 dias, empatando numericamente com Dilma. A hoje ministra do Meio Ambiente sofreu ataques tanto da campanha petista quanto de Aécio Neves, então candidato tucano, que acabou por protagonizar um segundo turno acirrado com a presidente.
Mas nenhuma eleição se compara à de 2018. Com o impeachment de Dilma, a polarização passional que tomou o país em meio às investigações e condenações da Lava-Jato alavancou Jair Bolsonaro (PSL) na onda antipolítica do espírito do tempo.
O líder nas pesquisas, Lula, mesmo preso, abre 20 pontos de vantagem sobre Bolsonaro. Sem o petista, Bolsonaro empatava com um contingente expressivo de 22% dos eleitores que pretendiam votar em branco ou anular o voto, segmento que só passa a tomar posição depois do atentado contra o candidato do PSL a um mês do pleito.
Em 2022, a polarização se intensifica. A taxa recorde de votos válidos no primeiro turno da eleição (foi o menor percentual de brancos e nulos desde a redemocratização) deixou claro o movimento de parte do eleitorado para impedir uma possível vitória antecipada de Lula, que havia liderado toda a corrida presidencial sob reflexos da má gestão da pandemia do governo Bolsonaro sobre o cenário social do país.
Atentas a esses movimentos e suas motivações, gerações de eleitores foram se habituando a adiar suas definitivas decisões aos últimos momentos, proporcionando surpresas, reviravoltas, e incluindo no jogo o tempo que resta, ainda que sejam os segundos finais diante da urna.
Como se vê, jogo não se ganha na véspera. Exige “movimento preciso quando o tempo for propicio”. Depois dos 39 segundos iniciais, há, quem sabe, minutos ou horas na Malásia hoje, que podem ou não ser tão relevantes quanto o suspiro de um mês atrás. O fato é que contra deuses, especialmente os da democracia, não há feitiço do tempo que resista.
*Mauro Paulino é comentarista político, espec

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