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Vulnerabilidades precisam guiar ações e distribuição de recursos sob a ótica da justiça climática

30/10/2025 07:31 O Globo - Rio/Política RJ

Com as mudanças climáticas e os eventos extremos cada vez mais presentes, a preocupação com populações mais vulneráveis não mais se restringe a aspectos econômicos. Os desafios perpassam questões como gênero e raça, além de grupos de risco que incluem desde moradores de áreas mais propensas a desastres naturais à população idosa, cada vez mais exposta aos efeitos do aumento das temperaturas.
Diante de diferentes formas de vulnerabilidade, identificá-las é um dos maiores desafios, aponta Helen Gurgel, coordenadora do Laboratório de Geografia, Ambiente e Saúde da Universidade de Brasília (UnB).
— Temos que identificar as vulnerabilidades diversas que se tem para situações específicas. Acho que isso é um dos maiores desafios. É preciso tirar até um certo tabu, porque muitas vezes a gente fala de vulnerabilidade, fala de pobreza, e a gente tem que tirar esse tabu. Vulnerabilidade é muito mais. Imagina uma grande empresa que foi altamente impactada por questões climáticas. Como vão ficar todos os trabalhadores? Isso tudo tem que ser colocado na mesa na hora da discussão — ressaltou.
O tema precisa ser considerado ainda no momento da distribuição de recursos, sob a ótica da justiça climática, para se garantir uma cobertura adequada àqueles que estão sofrendo mais. Sócia da área de Energia e Sustentabilidade do escritório Rolim Goulart Cardoso Advogados, Maria João Rolim aponta que essa divisão deve ocorrer de forma equitativa, de modo que respeite as diferenças:
— A distribuição de recursos tem que seguir esse olhar também de equidade e não de igualdade. Você não distribui exatamente igual, mas distribui de uma forma que respeite essas diferenças.
Diretor-presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social e pesquisador associado da Fipe, Paulo Tafner chama atenção para a combinação de fenômenos extremos com desafios sociais que o país enfrenta. Nesse sentido, em meio à ocorrência de ondas de calor cada vez mais intensas, o envelhecimento da população brasileira traz desafios adicionais.
— As ocorrências relacionadas a ondas de calor sobre a população idosa são especialmente graves. É diferente fazer 40°C quando você tem 20 anos e 70 anos. Ao enfrentar uma mudança climática, com ocorrência mais frequente de ondas de calor, com uma população que está envelhecendo muito rapidamente, o Brasil vai, em breve, ter pressão no verão por leito hospitalar como se fosse uma pandemia. É questão de fazer a conta — projetou.
Avanço da temperatura
A tentativa de frear o avanço do aquecimento global é o principal pilar do Acordo de Paris, que norteia as discussões da COP30. No entanto, o objetivo de limitar o avanço da temperatura a 1,5°C em relação à era pré-industrial será inevitavelmente superado nos próximos anos. A avaliação é do secretário-geral da ONU, António Guterres, às vésperas da conferência. O cenário evidencia a importância de o evento debater metas ousadas de redução de emissões.
Helen Gurgel, da UnB, chama atenção ainda para contextos geográficos envolvidos.
— Quando você falava de calor, mostrava a praia cheia, momentos de alegria e festas. Hoje estamos mudando esse discurso, mostrando que o calor mata — diz. — Nos últimos dez anos, houve um aumento fenomenal nas ondas de calor, principalmente nas regiões mais equatoriais do Brasil, ou seja, Belém, Manaus e Fortaleza. E são áreas que a gente nem escuta falar muito. Quando ouvimos algo, é sobre o Rio Grande do Sul, o Rio de Janeiro ou São Paulo. Mas aquela região é a que mais está sofrendo, tem onda de calor que passa de 60 dias — acrescenta.
Nesse sentido, Gurgel ressalta que o calor tem impactos diretos sobre a saúde. Mulheres grávidas, por exemplo, podem ter o parto antecipado, o que exige que as unidades neonatais estejam preparadas para receber esses bebês. Outra preocupação é o acesso ao Samu, já que a demanda por atendimentos de emergência tende a aumentar, especialmente em casos relacionados a doenças mentais.
Ondas de calor podem vir acompanhadas de secas e queimadas ou, em outro extremo, de chuvas intensas que resultam em inundações. Esses fenômenos levam, muitas vezes, à necessidade de realocação de moradores que vivem em áreas consideradas inabitáveis diante dos ricos que representam. Para Maria João Rolim, a solução passa por colocar a justiça climática no centro da decisão política e da negociação.
— Quando você desloca pessoas, é preciso considerar primeiro que elas querem voltar para o lugar onde estão acostumadas. E se vão para outro lugar, como os serviços públicos desse outro lugar vão receber todo mundo? As escolas, como será feita essa interseção? Então é colocar no planejamento os direitos humanos e a justiça climática — diz Rolim.

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