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PF intercepta mensagens de quadrilha familiar que fraudou concursos como o CNU e cobrava R$ 500 mil: 'Leva as respostas'

09/10/2025 09:01 O Globo - Rio/Política RJ

Relatório da Polícia Federal apontou a existência de uma organização criminosa especializada em fraudar provas públicas, como o Concurso Nacional Unificado (CNU), aplicado em agosto do ano passado. Conforme as investigações, o grupo, formado por integrantes da mesma família, cobrava até R$ 500 mil por prova, conseguia o gabarito de forma antecipada e utilizava pontos eletrônicos e até dublês para fazer os exames no lugar dos "clientes" do esquema.
Em mensagens interceptadas pela PF, um dos integrantes do grupo orienta a filha a "levar o rascunho das respostas" e "ler e apagar tudo". Segundo os investigadores, o homem avisou que teria acesso às respostas da prova do CNU 2024 uma hora antes do início do teste.
“Leva o celular. Depois que passar as respostas, você já sabe: entrando, desliga o celular", diz ele, que prossegue: “E a parte da tarde me aguarda, já passo as outras que ele me passar”.
A mulher acabou sendo aprovada no concurso de auditor fiscal de trabalho. Segundo os investigadores, o objetivo era utilizá-la como exemplo de que a fraude realmente funcionava para captar novos clientes. Conforme as investigações, o grupo também atuou em concursos por vagas direcionadas a bancos públicos e polícias militares.
A quadrilha era comandada por um ex-policial militar da Paraíba que foi expulso da corporação em 2021. Segundo o relatório, ele tinha antecedentes criminais por roubo majorado, peculato, uso de documento falso e abuso de autoridade. O ex-policial também foi aprovado no concurso de auditor fiscal do trabalho, que previa um salário de mais de R$ 22 mil.
"É importante mencionar que (o alvo) supostamente realizou a prova somente para mostrar aos seus 'clientes' (compradores dos gabaritos) que a fraude é possível, tendo em vista que, mesmo passando para um cargo tão concorrido e almejado dentro do serviço público e com alto salário, não se deu nem ao trabalho de participar do curso de formação da carreira realizado em Brasília/DF, entre março e maio de 2025", escreveu a PF.
O Ministério da Gestão afirmou em nota cumprir determinações judiciais e colaborar com a Justiça e a Polícia Federal.
A organização criminosa era formada por familiares do ex-policial — seus dois irmãos e a sobrinha. Três deles passaram no concurso da CNU com o gabarito idêntico, o que chamou a atenção das autoridades. Eles são oriundos de Patos, no interior da Paraíba.
"As investigações indicam a existência de uma estrutura hierarquizada e interligada por vínculos familiares e de confiança, envolvendo pessoas com histórico criminal, experiência prévia em segurança pública e atuação reiterada em fraudes semelhantes", diz a PF.
O ex-policial seria o mentor e líder do grupo. A PF interceptou áudios em que pessoas pedem orientações de como pagá-lo pela suposta aprovação em um concurso, e ele indica a conta de terceiros para receber os "Pix". Um dos irmãos seria o responsável por conseguir clientes para o esquema e atuar na lavagem de dinheiro por meio da compra de veículos.
O outro teria servido como "ponto de contato" para passar o gabarito da CNU à filha e sobrinha do líder do esquema.
Os investigadores ainda acusaram o ex-policial de tentar obstruir as investigações após ele ter se recusado a fornecer a senha do celular e apagado os aplicativos de mensagens do aparelho assim que percebeu a presença dos agentes. Ele foi preso no dia 2 de outubro.
Os peritos, no entanto, conseguiram extrair um áudio no qual ele diz ao filho que conseguiria ganhar uma "comissão" no CNU do ano passado.
“Você esqueceu que tem o CNU, meu filho. A nossa comissão vai ser lá no CNU, vou batalhar pra nós, ver se 'nós' consegue na 'poiva' (dinheiro). Tô trabalhando pra isso, entendeu?”, diz a mensagem transcrita.
O irmão do líder do esquema ainda foi flagrado tratando do preço pelas respostas da prova do CNU aplicada no mesmo ano. O dinheiro só seria pago se o "cliente" passasse no exame.
"Então assim, o custo vai ser dobrado porque tem que corromper vigilante, tem que corromper a chefe do vigilante, é um rolo desativar as câmeras, vai ser um negócio de doido, entendeu? Então assim, eu fazendo os cálculos por baixo, fazendo os cálculos por baixo... Euvou lhe cobrar como se fosse ter um boneco, entendeu? 500 mil", diz ele.
O “boneco” seria uma referência ao uso de "dublês" para fazer a prova no lugar de um cliente com um documento falso.
Segundo a PF, o grupo aceitava o pagamento em dinheiro em espécie, ouro, motocicletas e tratamentos odontológicos de "alto valor".
Além do núcleo familiar de Patos, a organização criminosa ainda contava com um policial militar da ativa do Rio Grande do Norte, que era dono de uma clínica odontológica suspeita de movimentar os recursos do grupo; e um homem com longo histórico de fraudes em concursos públicos desde 2017. Segundo a PF, ele seria um dos responsáveis por obter as respostas dos testes.

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