
Metanol: por que vodca russa foi usada como antídoto em homem que sofreu intoxicação?
Cláudio Crespi, de 55 anos, um dos casos confirmados de intoxicação por metanol em São Paulo, teve alta neste domingo após duas semanas internado. O comerciante, que perdeu cerca de 90%, precisou ser tratado com vodca russa no hospital devido à falta de antídotos.
No dia 27 de setembro, Cláudio foi internado ao passar mal um dia depois de ter bebido em um bar e recebeu o diagnóstico de intoxicação por metanol. No entanto, ao g1, a advogada Camila Crespi, sua sobrinha, conta que não havia antídoto para o caso na unidade e que a solução, indicada pelos médicos, foi usar uma garrafa de vodca russa com 40% de teor alcoólico que ela mantinha em casa.
Ao g1, Camila contou que a garrafa estava fechada e guardada em casa desde que ela e seu marido a ganharam como um presente de uma amiga. Mas, “na hora do desespero, a médica pediu um destilado e lembramos que tinha essa em casa”, disse. A bebida foi usada por cerca de quatro dias, enquanto Cláudio também foi submetido a sessões de hemodiálise, a filtragem do sangue fora do corpo por uma máquina.
De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, a orientação do Centro de Assistência Toxicológica (Ceatox) foi para administrar a vodca por sonda nasogástrica no paciente. Trata-se de um “protocolo reconhecido e utilizado em situações emergenciais com bons resultados clínicos”, afirmou a pasta em nota.
Por que vodca foi usada como antídoto?
O metanol é um álcool usado na indústria, como solvente e combustível, por exemplo. Ele pode aparecer em bebidas alcoólicas devido a erros na fabricação que levam ao não descarte adequado da substância ou em casos de fraude ou adulteração, em que se usa metanol deliberadamente para substituir o etanol e reduzir custos, já que ele é mais barato.
Um dos problemas é que, ao ser ingerido, o metanol é quebrado no fígado em formaldeído e, em seguida, em ácido fórmico, que é altamente tóxico para o organismo. Apenas 10 ml de metanol já é suficiente para causar cegueira, e 30 ml é considerada a dose mínima fatal para um adulto.
O primeiro passo no tratamento é frear a metabolização do metanol em ácido fórmico. Para isso, um dos antídotos utilizados é o próprio etanol, explica Diego Rissi, perito legista e toxicologista na Secretaria de Estado de Polícia Civil do Rio de Janeiro e doutorando em Saúde Pública na Fiocruz:
— É curioso, mas o etanol pode ser administrado intravenoso como antídoto pois compete com a mesma enzima que metaboliza o metanol, porém com uma afinidade cerca de 50 vezes maior, reduzindo assim a formação dos metabólitos tóxicos pelo metanol. Mas é importante ressaltar que, em casos de suspeita de intoxicação por metanol, a pessoa deve procurar imediatamente atendimento médico e relatar a suspeita para a equipe.
Geralmente são utilizadas formulações do etanol fabricadas especificamente com a finalidade de tratamento, aplicadas de forma intravenosa. Mas, na ausência do antídoto e em casos emergenciais, há a indicação de usar, com o devido acompanhamento médico, bebidas com alto teor de etanol.
Na última sexta-feira, a a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou a fabricação no país de um primeiro lote de etanol farmacêutico injetável pelo laboratório Cristália. De acordo com a farmacêutica, serão produzidas 12 mil ampolas, e as unidades serão doadas para o Ministério da Saúde.
Outro antídoto, muito usado no exterior, é o fomepizol, conta Raphael Garcia, professor no setor de Bioquímica, Farmacologia e Toxicologia da Universidade Federal de São paulo (Unifesp):
— Ele atua bloqueando diretamente a ação da enzima que quebra o metanol, evitando a formação de formaldeído e ácido fórmico, os verdadeiros responsáveis pelos danos à visão e ao sistema nervoso. Mas, no Brasil, o acesso ao fomepizol ainda é limitado. Embora seja o tratamento de escolha em muitos países, ele não está amplamente disponível por aqui.
Isso acontece porque o fomepizol não tem registro no Brasil. Mas, diante do cenário de emergência, a Anvisa autorizou a importação excepcional de 2,6 mil frascos a pedido do Ministério da Saúde por meio do fundo da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).
Desse total, 2,5 mil frascos foram adquiridos pela pasta da Saúde, e 100 foram doados pela fabricante Daiichi Sankyo. Todos chegaram ao país na última quinta-feira e já estão em processo de distribuição pelo ministério para as unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) que atendem casos de intoxicação.
Segundo a última atualização do Ministério da Saúde, de sexta-feira, foram notificados 246 casos do tipo após consumo de bebida alcoólica, 29 confirmados, e 217 em investigação, em diferentes estados. Outras 249 suspeitas foram descartadas. Em relação aos óbitos, 5 foram confirmados em São Paulo, e 12 seguem em investigação, sendo 6 no estado paulista; um no Ceará; um em Minas Gerais; um no Mato Grosso do Sul e um em Pernambuco.
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