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Metanol: por que vodca russa foi usada como antídoto em homem que sofreu intoxicação?

12/10/2025 19:08 O Globo - Rio/Política RJ

Cláudio Crespi, de 55 anos, um dos casos confirmados de intoxicação por metanol em São Paulo, teve alta neste domingo após duas semanas internado. O comerciante, que perdeu cerca de 90%, precisou ser tratado com vodca russa no hospital devido à falta de antídotos.
No dia 27 de setembro, Cláudio foi internado ao passar mal um dia depois de ter bebido em um bar e recebeu o diagnóstico de intoxicação por metanol. No entanto, ao g1, a advogada Camila Crespi, sua sobrinha, conta que não havia antídoto para o caso na unidade e que a solução, indicada pelos médicos, foi usar uma garrafa de vodca russa com 40% de teor alcoólico que ela mantinha em casa.
Ao g1, Camila contou que a garrafa estava fechada e guardada em casa desde que ela e seu marido a ganharam como um presente de uma amiga. Mas, “na hora do desespero, a médica pediu um destilado e lembramos que tinha essa em casa”, disse. A bebida foi usada por cerca de quatro dias, enquanto Cláudio também foi submetido a sessões de hemodiálise, a filtragem do sangue fora do corpo por uma máquina.
De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, a orientação do Centro de Assistência Toxicológica (Ceatox) foi para administrar a vodca por sonda nasogástrica no paciente. Trata-se de um “protocolo reconhecido e utilizado em situações emergenciais com bons resultados clínicos”, afirmou a pasta em nota.
Por que vodca foi usada como antídoto?
O metanol é um álcool usado na indústria, como solvente e combustível, por exemplo. Ele pode aparecer em bebidas alcoólicas devido a erros na fabricação que levam ao não descarte adequado da substância ou em casos de fraude ou adulteração, em que se usa metanol deliberadamente para substituir o etanol e reduzir custos, já que ele é mais barato.
Um dos problemas é que, ao ser ingerido, o metanol é quebrado no fígado em formaldeído e, em seguida, em ácido fórmico, que é altamente tóxico para o organismo. Apenas 10 ml de metanol já é suficiente para causar cegueira, e 30 ml é considerada a dose mínima fatal para um adulto.
O primeiro passo no tratamento é frear a metabolização do metanol em ácido fórmico. Para isso, um dos antídotos utilizados é o próprio etanol, explica Diego Rissi, perito legista e toxicologista na Secretaria de Estado de Polícia Civil do Rio de Janeiro e doutorando em Saúde Pública na Fiocruz:
— É curioso, mas o etanol pode ser administrado intravenoso como antídoto pois compete com a mesma enzima que metaboliza o metanol, porém com uma afinidade cerca de 50 vezes maior, reduzindo assim a formação dos metabólitos tóxicos pelo metanol. Mas é importante ressaltar que, em casos de suspeita de intoxicação por metanol, a pessoa deve procurar imediatamente atendimento médico e relatar a suspeita para a equipe.
Geralmente são utilizadas formulações do etanol fabricadas especificamente com a finalidade de tratamento, aplicadas de forma intravenosa. Mas, na ausência do antídoto e em casos emergenciais, há a indicação de usar, com o devido acompanhamento médico, bebidas com alto teor de etanol.
Na última sexta-feira, a a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou a fabricação no país de um primeiro lote de etanol farmacêutico injetável pelo laboratório Cristália. De acordo com a farmacêutica, serão produzidas 12 mil ampolas, e as unidades serão doadas para o Ministério da Saúde.
Outro antídoto, muito usado no exterior, é o fomepizol, conta Raphael Garcia, professor no setor de Bioquímica, Farmacologia e Toxicologia da Universidade Federal de São paulo (Unifesp):
— Ele atua bloqueando diretamente a ação da enzima que quebra o metanol, evitando a formação de formaldeído e ácido fórmico, os verdadeiros responsáveis pelos danos à visão e ao sistema nervoso. Mas, no Brasil, o acesso ao fomepizol ainda é limitado. Embora seja o tratamento de escolha em muitos países, ele não está amplamente disponível por aqui.
Isso acontece porque o fomepizol não tem registro no Brasil. Mas, diante do cenário de emergência, a Anvisa autorizou a importação excepcional de 2,6 mil frascos a pedido do Ministério da Saúde por meio do fundo da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).
Desse total, 2,5 mil frascos foram adquiridos pela pasta da Saúde, e 100 foram doados pela fabricante Daiichi Sankyo. Todos chegaram ao país na última quinta-feira e já estão em processo de distribuição pelo ministério para as unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) que atendem casos de intoxicação.
Segundo a última atualização do Ministério da Saúde, de sexta-feira, foram notificados 246 casos do tipo após consumo de bebida alcoólica, 29 confirmados, e 217 em investigação, em diferentes estados. Outras 249 suspeitas foram descartadas. Em relação aos óbitos, 5 foram confirmados em São Paulo, e 12 seguem em investigação, sendo 6 no estado paulista; um no Ceará; um em Minas Gerais; um no Mato Grosso do Sul e um em Pernambuco.

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