
Carlos Nobre diz que a Terra pode ficar inabitável até 2100: 'Temperatura que o corpo humano não resiste'
Um dos mais respeitados cientistas climáticos do mundo, Carlos Nobre voltou a alertar sobre o risco de o planeta Terra ficar inabitável até o ano de 2100. Pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados da USP e copresidente do Painel Científico para a Amazônia, ele afirmou, durante entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, que o planeta pode enfrentar impactos severos — e irreversíveis — até o fim deste século.
Carlos Nobre: 'Corremos o maior risco que o planeta já enfrentou desde que existimos como civilização'
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"É totalmente possível, se não reduzirmos rapidamente as emissões, chegarmos a 3°C ou 4°C em 2100. As regiões equatoriais ao nível do mar terão uma temperatura que o corpo humano não resiste o ano todo. O planeta vai ficar inabitável para nós humanos em 2100", alertou.
Nobre foi o primeiro a alertar para o risco de a Floresta Amazônica se tornar uma savana. Durante entrevista ao GLOBO, em julho, o cientista disse que a humanidade vive o maior desafio de sua história e que, pela primeira vez, o planeta enfrenta um aquecimento global causado inteiramente por ação humana — e não por fenômenos naturais.
“Por quase dois anos, a temperatura global superou 1,5°C em relação ao período pré-industrial”, explica. “A última vez que houve uma crise climática desse nível foi no último período interglacial, há 120 mil a 130 mil anos. Só existiam alguns milhões de humanos então, na África equatorial. Era um fenômeno natural.”
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O aumento da temperatura atual, diz, é fruto direto da queima de combustíveis fósseis, do desmatamento e das emissões geradas pela agropecuária e pela indústria. Segundo ele, "estamos no Antropoceno", referindo-se à era geológica marcada pela influência humana no clima e na natureza. Segundo ele, mesmo com todos os compromissos climáticos em vigor, o mundo deve conseguir reduzir apenas 3% das emissões de gases do efeito estufa até 2030.
“Se zerarmos só em 2050, passaremos dos 2°C. Nesse nível, ondas de calor, chuvas excessivas, secas, incêndios florestais, acontecerão com mais frequência”, disse ele, na ocasião.
Amazônia no limite
O pesquisador alerta que a Amazônia está “muito próxima” do ponto de não retorno — o momento em que o bioma deixaria de funcionar como floresta tropical e passaria a emitir mais carbono do que absorve. Segundo ele, na década de 1990, a Amazônia removia até 1,5 bilhão de toneladas de gás carbônico por ano, número que caiu para de 200 a 300 milhões de toneladas.
“Em 40 a 45 anos, a estação seca já se prolongou em quatro a cinco semanas. Se continuar assim, em duas ou três décadas, teremos seis meses de estação seca. Não se mantém floresta nessas condições”, afirma.
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As secas severas, antes registradas a cada 20 anos, tornaram-se recorrentes: 2005, 2010, 2015-2016 e 2023-2024 — esta última, a mais intensa da história. No ano passado, o fogo atingiu recordes na região.
“Mais de 85% dos incêndios foram provocados por ação humana”, destaca, citando dados do Inpe. “Como o desmatamento caiu mais de 50% em 2023 e 2024, o crime organizado agora usa o fogo para desmatar.”
Bioeconomia como caminho
Apesar do cenário crítico, o especialista vê oportunidades únicas para o Brasil, citando que o país tem a maior biodiversidade do mundo, com até 20% de todas as espécies conhecidas. Ele lamenta, no entanto, que apenas 0,4% do PIB vem de produtos da biodiversidade amazônica.
A alternativa, segundo ele, é apostar em uma nova bioeconomia baseada na sociobiodiversidade, que combine tecnologia moderna e valorização dos biomas, com o caminho sendo “restaurar o que já degradamos”. Ele cita o Arco da Restauração, lançado pelo governo na COP28, que prevê recuperar 240 mil km² do sul da Amazônia com financiamento público e privado.
“Hoje, restaurar floresta dá mais retorno que soja ou pecuária, graças ao mercado de carbono.”
Resistência e mudança
O pesquisador aponta o agronegócio como o setor mais resistente à transição verde e classifica o segmento como o "mais negacionista sobre a mudança climática", e "não querem admitir que o próprio agronegócio será um dos mais afetados”.
Se o país ultrapassar os pontos de não retorno, alerta, metade do Cerrado pode virar Caatinga e boa parte desta se transformar em semideserto.
“A Amazônia vai ficar uma savana super degradada. Precisamos convencê-los que o risco climático é muito grande para eles.”
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