'Tremembé': por que a ficção baseada em crimes reais faz tanto sucesso
“Se tem uma coisa nesse mundo que vende é desgraça”, já dizia o jornalista e político Acir Filló, condenado e preso por corrupção. Fofoca também. Quando esses dois se juntam, dá “Tremembé”, série de ficção do Prime Video, com Marina Ruy Barbosa no papel de Suzane von Richthofen, que se tornou o assunto da vez desde que entrou no ar, no último dia 31. Só no Google Brasil, foram 5.73 milhões de buscas em seis dias, segundo levantamento da empresa de inteligência Timelens, e 1.36 milhão de menções em redes sociais.
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Ao tratar das brigas e romances da vida prisional de alguns dos mais conhecidos nomes do true crime nacional (Elize Matsunaga e Anna Carolina Jatobá completam a ala feminina; Daniel e Cristian Cravinhos, Alexandre Nardoni, Roger Abdelmassih e o próprio Acir Filló integram a masculina), a série é motivo de comemoração na Amazon, dona da plataforma. Segundo apuração do GLOBO, se tornou a produção brasileira mais assistida da empresa no país e no exterior. No streaming, pelo visto, o crime compensa.
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— Ordem moral e social são nossas noções compartilhadas de bem e mal, certo e errado. Quando alguém desvia dessa ordem, gera repercussão — diz a socióloga Moniqui Bonalume, integrante do Grupo de Pesquisa Violência e Cidadania da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. — Esses crimes muito falados, do tipo “matou os pais, esquartejou o marido”, são aqueles que rompem demais essa moral e, por isso, geram a dualidade repulsa-fascínio. Mas a TV estabelece fronteiras entre “nós” e o cidadão criminoso e ajuda a sanar a nossa curiosidade, o tal fascínio, dentro de um ambiente seguro.
O americano Ryan Murphy sabe bem disso e segue empenhado na antologia “Monstros”, da Netflix, outro sucesso das últimas semanas. Depois de dramatizar as vidas do canibal Jeffrey Dahmer e dos irmãos parricidas Menendez, agora focou no “açougueiro de Plainfield” em “Monstro: A história de Ed Gein”. Desde a estreia, no dia 3 de outubro, a produção está no top 10 global de séries em inglês.
E tem mais monstro na tela. Inspirada num serial killer italiano dos anos 1960, “O monstro de Florença” foi a série mais vista da Netflix Brasil na semana de sua estreia, em 22 de outubro. Outro exemplo de ficção baseada em fatos, que, ao optar por esse gênero, pode explorar ângulos diferentes de casos amplamente midiatizados.
— Com a ficção, o audiovisual levanta novas questões ou mesmo outras interpretações de personagens que as pessoas já conhecem, abre até lacunas para a imaginação do telespectador — diz Tatiana Helich, doutora e pesquisadora em narrativas policiais contemporâneas na PUC-Rio.
Só no Prime Video, o assassinato dos von Richthofen já foi tema de três filmes com a atriz Carla Diaz no papel da menina que matou os pais. Elize Matsunaga vai reaparecer em “Uma garota de classe”, da Netflix, com Bianca Comparato interpretando a mulher que esquartejou o marido, Marcos Matsunaga.
Uma sobrevida para tragédias que as vítimas gostariam de esquecer. Ana Carolina Oliveira, mãe de Isabella Nardoni, menina de 5 anos cujo assassinato é retratado em “Tremembé”, disse nas redes sociais que não viu a novidade e fez um pedido a quem assistiu. “Peço responsabilidade para que a gente não os trate como celebridades, que a gente distancie o que é real e o que ficção (para que) eles não se tornem pessoas públicas e até terem os extremos, como a gente já viu, de gente idolatrando.”
Essa celebrização é um risco real de tantas produções, para o psicanalista Roberto Santoro, presidente da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro.
— Quando o criminoso se torna o foco, ele vira espetáculo, e isso faz com que percamos a empatia pelas vítimas — diz o psicanalista.
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