
Professores indígenas compartilham saberes tradicionais em escolas do Rio
Lucas Munduruku, natural do Baixo Rio Tapajós, no Pará, ensina aos alunos da Escola Parque, na Gávea, noções de plantio, arquitetura indígena e até de astronomia na perspectiva de povos da floresta. Tsara Kokama, do Amazonas, usa elementos como grafismos tradicionais, arco e flecha e sementes durante suas lições de Matemática nas escolas municipais Mendes Viana e José do Patrocínio, em Irajá. E Pâmela Souza, da etnia Cariri, de Alagoas, lança mão de pulseiras, colares e maracás nas suas aulas de Artes Plásticas na Escola Municipal Zelia Gattai Amado, no Rio Comprido.
Apoiados na lei de 2008 que tornou obrigatório o ensino de História e cultura indígena (e afro-brasileira) nas escolas do país, professores representantes de diferentes povos originários do Brasil se valem da propriedade no assunto para dar aulas de diversidade e sustentabilidade em unidades de ensino do Rio. Assim, eles expandem a visão de mundo de estudantes criados na metrópole carioca e, em alguns casos, estimulam um mergulho na ancestralidade dos próprios alunos, já que muitos têm ascendentes indígenas, mas nem sequer sabiam disso antes de conhecer um professor que se declara assim.
— Quando chego à escola com pinturas no corpo e colares, por exemplo, isso gera um assunto. As crianças perguntam de onde vêm as sementes, o que são as miçangas. Eu explico sobre o povo que fez aquela peça, conto a história. É uma porta para falar de culturas que eles nem sabem que existem — exalta Pâmela Souza, cuja família migrou de Alagoas para o Rio nos anos 1950. — Alguns alunos acabam descobrindo indígenas em suas próprias famílias, e isso vai revertendo o apagamento que os povos originários sofreram no país. Eu mesma só comecei a me identificar assim há alguns anos.
Tsara Kokama cresceu em Manaus e veio morar no Rio aos 20 anos. Decidiu estudar Matemática ao entender que grande parte de sua vivência envolvia a ciência dos números. Ela se formou e fez uma pós-graduação em Neurociência da Educação. Deu aulas em duas escolas na Baixada Fluminense, trabalhou no Museu Nacional dos Povos Indígenas, em Botafogo, e, hoje, é professora de Matemática em duas unidades de ensino da rede municipal do Rio, em Irajá, onde ela mora.
— Existe muito desconhecimento. Alguns alunos perguntam se eu sou da Índia ou batem a mão na boca para imitar um grito — relata Tsara. — Mas, aos poucos, o diálogo se estabelece, e eles próprios se envolvem com uma perspectiva diferente. Uso grafismos para ensinar geometria. Sementes, arco e flecha e nossa arquitetura também podem ser elementos de referência em exercícios de matemática.
Quando dava aulas numa escola estadual em Nova Iguaçu, a professora aproveitou um programa do governo chamado "Matemática 360" e levou seus alunos para visitar um asilo. Além de propor exercícios com base em informações como o número de idosos na casa, suas faixas etárias e a quantidade de visitas que recebiam, Tsara queria quebrar preconceitos contra a terceira idade.
— Foi um choque de realidade quando entendi o que é um asilo e como as pessoas são deixadas ali. De onde eu venho, na cultura indígena, um idoso é considerado uma fonte de saber. A gente fica até grato de poder ouvir suas experiências. Os velhos são os nossos tesouros — ressalta a professora. — A neurociência ensina que o nosso corpo envelhece, mas o cérebro se mantém ativo por muito tempo. Só que, quando uma pessoa é invalidada por conta da idade, o cérebro começa a apresentar atrofias. Isso explica as altas taxas de doenças que provocam demência nas sociedades ocidentais.
Na Escola Parque, o professor Lucas Munduruku, que veio morar no Rio com a família aos 13 anos e se formou em Filosofia, orienta alunos de diferentes anos do ensino básico no desenvolvimento de projetos com base na sustentabilidade. No “roçado indígena” da escola, por exemplo, as crianças, recentemente, aprenderam sobre a técnica ancestral das “três irmãs”, que combina o plantio de feijão, milho e abóbora para reforçar benefícios mútuos. Já com alunos do ensino médio, o professor realiza trabalhos de bioconstrução, fazendo uso de técnicas da arquitetura indígena.
— A gente leva vida para determinados espaços da escola, realizando mutirões de construção. Neste semestre, por exemplo, fizemos uma casa de instrumentos que será usada pelo ensino infantil. A gente funciona como um escritório de arquitetura com bases sustentáveis.
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