
Corote, cerveja ou ice? Pesquisa da Unifesp revela o que os adolescentes estão consumindo ilegalmente no Brasil
No Brasil, cerca de 7 a cada 10 adolescentes (74,7%) que consomem álcool nunca enfrentaram restrição de compra por causa da idade, apesar da prática ser ilegal, mostram dados inéditos do terceiro Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad III).
Esse percentual chega a ser de 88,2% na região Nordeste, seguido por 73,4%, na Sudeste; 68,2%, na Norte; 68,1, na Sul, e 67,1%, no Centro-Oeste.
A pesquisa foi realizada pela Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) com parceria da Ipsos e financiada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).
O Lenad III ouviu 16.608 brasileiros com 14 anos ou mais de 349 municípios, distribuídos por todas as regiões do país, em 2023. Os dados sobre acesso ao álcool pelos jovens foram apresentados nesta segunda-feira.
Os números mostram ainda que os bares são o principal ponto de acesso pelos adolescentes (citados por 76,1%), seguidos da intermediação de adultos (44,9%); de vendedores ambulantes (34,4%); da compra por terceiros (33%); da internet ou aplicativos de entrega (16,4%) e do roubo de casa ou de algum estabelecimento (3,3%).
Além disso, 30,9% dos adolescentes que consomem álcool afirmaram frequentar eventos do tipo open bar, associados a maior risco de consumo excessivo, e 23,5% relataram já ter comprado bebidas por preço muito abaixo do normal, o que aumenta riscos de adulteração e contrabando.
A compra abaixo do valor do mercado pelos menores de idade foi relatada em estabelecimentos comerciais (citados por 83,9%), festas abertas (62,6%) e em locais públicos (65,5%).
Para a professora da Unifesp Clarice Madruga, coordenadora do Lenad, “a falta de regulação de bebidas alcoólicas no Brasil sempre esteve entre os maiores desafios para a saúde pública", e os resultados mostram que "a disponibilidade irrestrita, a desarticulação de estratégias de fiscalização mais efetivas e o baixo preço das bebidas formam o ambiente perfeito para o abuso".
Dados também do Lenad, divulgados anteriormente, já haviam mostrado que 27,6% dos jovens de 14 a 17 anos relatam ter bebido álcool alguma vez na vida, percentual que chega a ser de 36,7% na região Sul. No geral, 10,4% dos adolescentes brasileiros consumiram álcool no último mês.
As bebidas mais comuns na faixa etária são cerveja (mencionada por 40,5%); seguida por "ice" (31,9%); outros destilados (30,2%); vinho (14,4%); coquetéis (7,3%); cachaça (2,9%) e "corote" (1,5%). O consumo médio é de 3,7 doses por ocasião, além do limite recomendado.
Além disso, 23,7% dos jovens de 14 a 17 anos que bebem relatam episódios de "binge drinking" no último ano (ingestão de quatro doses para mulheres e cinco doses para homens num único período de cerca de duas horas), e 34,4% relataram um padrão de consumo pesado episódico (ingestão de seis ou mais doses em uma ocasião sem uma definição precisa de tempo), práticas associadas a mais riscos à saúde.
Recomendações dos especialistas
Diante deste cenário, Zila Sanchez, professora do departamento de Medicina Preventiva da Unifesp, defende medidas como restrição do marketing e da propaganda de bebidas alcoólicas, menor disponibilidade dos produtos e aumento do preço.
O comitê científico do Lenad e um painel de especialistas convidados também elaboraram um conjunto de recomendações para o Brasil inspiradas em diretrizes nacionais e internacionais. A proposta foi organizada em cinco eixos estratégicos:
Eixo 1 – Redução da disponibilidade e controle do acesso por menores
Propõe fortalecer a fiscalização da proibição de venda a menores, regular o comércio informal e digital e inclui medidas como a verificação de idade em aplicativos de entrega, limite de horários e locais de venda, e proibição de promoções e eventos “open bar”, reconhecidos como fatores de risco para abuso e violência.
Eixo 2 – Controle de qualidade e autenticidade das bebidas
Diante da recente crise de bebidas adulteradas com metanol, recomenda-se restabelecer um sistema nacional de rastreabilidade e controle de produção, integrando Vigilância Sanitária, Receita Federal e órgãos de defesa do consumidor, para garantir segurança sanitária e procedência fiscal.
Eixo 3 – Regulação da publicidade e comunicação responsável
Defende a ampliação das restrições publicitárias a todas as bebidas alcoólicas, incluindo cervejas e vinhos, proibição de patrocínios em eventos culturais e esportivos, e exigência de advertências sanitárias nos rótulos e campanhas.
O objetivo é reduzir a exposição de crianças e adolescentes à promoção do álcool e corrigir crenças normativas equivocadas de que “todos bebem”.
Eixo 4 – Intervenção precoce e tratamento
Recomenda a implementação rotineira de triagem (AUDIT-C) e intervenções breves na Atenção Primária, além da capacitação dos profissionais de saúde e inclusão do tema nos currículos universitários. Essas ações visam identificar e tratar precocemente o uso abusivo, reduzindo o risco de cronificação e dependência.
Eixo 5 – Integridade científica, transparên
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