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Positividade tóxica: como a pressão para se mostrar feliz é péssimo para a saúde

19/10/2025 07:01 O Globo - Rio/Política RJ

“Mantenha o rosto voltado para a luz do sol e você não verá as sombras”, aconselhava Helen Keller, ativista norte-americana que se tornou um símbolo de superação. No entanto, o que acontece quando o sol cega — e as sombras que ignoramos começam a pesar mais do que a própria luz?
Durante décadas, a psicologia e a cultura popular difundiram a ideia de que pensar positivamente é uma ferramenta poderosa para mudar o rumo da vida e favorecer a realização dos desejos. De livros de autoajuda a frases inspiradoras nas redes sociais, a mensagem tem sido clara: a atitude é tudo. Assim surgiu uma corrente apoiada por psicólogos como Martin Seligman, da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, que sustentava: “as emoções positivas promovem a resiliência, a criatividade e o bem-estar geral”.
Os cientistas encontraram base sólida para isso. A psicologia positiva, surgida no fim dos anos 1990, trouxe evidências contundentes sobre os benefícios de cultivar a gratidão, o otimismo e a esperança. Segundo um estudo da Universidade da Carolina do Norte, liderado pela psicóloga Barbara Fredrickson, “as emoções positivas ampliam nossa capacidade de pensamento e ação, ajudando a construir recursos pessoais de longo prazo”.
Do ponto de vista fisiológico, as emoções agradáveis também melhoram a saúde física. A Clínica Mayo destacou em uma de suas últimas pesquisas que pessoas otimistas apresentam menores níveis de cortisol, pressão arterial mais baixa e risco reduzido de doenças cardiovasculares. Uma meta-análise da Universidade de Harvard constatou que o otimismo pode aumentar em até 15% a expectativa de vida.
Porém, o auge dessa visão trouxe efeitos colaterais inesperados. A necessidade de “estar bem” transformou-se em um mandato social, fortemente enraizado em ambientes de trabalho, na educação, nas relações afetivas e, especialmente, nas redes sociais. O otimismo, em muitos casos, deixou de ser um recurso pessoal para se tornar uma obrigação coletiva.
— Na cultura atual, o otimismo permanente se tornou quase uma obrigação. Redes sociais, mensagens motivacionais e livros de autoajuda repetem mantras como “se você quiser, você pode”, instalando a ideia de que sentir tristeza, raiva ou frustração é um erro — diz Roxana Rostán, psicóloga da Fundação Aiglé.
Esse é o conceito que começa a preocupar os especialistas: quando a mensagem de bem-estar se transforma em imposição, surge o que hoje se chama de positividade tóxica.
O problema é que nela não há espaço para a dúvida, o medo ou a frustração. Tudo deve ser rapidamente transformado em lição, aprendizado ou gratidão. Essa exigência emocional, longe de promover saúde mental, pode gerar desconexão interna e um profundo vazio emocional.
Pesquisadores como Erica Anderson, especialista em Psicologia Cultural da Universidade do Sul da Califórnia, alertam que essa imposição emocional pode causar mais mal do que bem.
— A positividade tóxica leva à supressão emocional crônica e isso impede o desenvolvimento de uma verdadeira resiliência — diz.
Em outras palavras, não se trata de rejeitar o otimismo, mas de reconhecer quando ele se torna um véu que nos afasta da realidade.
— Quando algo negativo acontece, as pessoas costumam dizer “veja o lado bom”. Embora bem-intencionados, esses comentários podem silenciar quem está sofrendo. Ignorar as emoções negativas não as faz desaparecer. Empurrá-las para debaixo do tapete mental só aumenta o sofrimento — acrescenta Anderson.
Marisa G., arquiteta de 43 anos, lembra o momento em que a positividade deixou de ajudá-la. Após perder o emprego durante a pandemia, agarrou-se a todas as frases motivacionais, como “Isso é uma oportunidade” e “Tudo acontece por uma razão”. Evitava falar de medo e angústia porque achava que mostrar vulnerabilidade era fracassar.
— Eu me obrigava a sorrir e agradecer todos os dias. Mas por dentro me sentia vazia, como se estivesse falhando por não ser feliz — conta.
A história dela não é isolada. Um estudo da Universidade de Indiana, publicado no Journal of Communication and Media, revelou que mais de 68% dos jovens adultos sentem pressão para aparentar felicidade nas redes sociais, mesmo em momentos difíceis.
— O mandamento de estar bem o tempo todo gera culpa e isolamento — explica o sociólogo Benjamin Crossley, autor da pesquisa.
Do Centro de Saúde Mental do Campus de Ontário (Canadá) vem outra constatação: a positividade tóxica “anula emoções legítimas, dificulta a busca por apoio e alimenta uma cultura de silenciamento emocional”.
Rostán acrescenta que, no ambiente de trabalho, essa cultura do “tudo bem” pode ser especialmente perigosa:
— A exigência de manter o bom humor, mesmo em situações de esgotamento, aprofunda uma cultura que prioriza a produtividade em detrimento da saúde mental.
Nas redes, influenciadores, celebridades e até marcas reforçam a narrativa de que tudo pode ser transformado com boa atitude. Mas o que acontece com quem não consegue fazê-lo?
— Começa a surgir uma autocrítica feroz — diz o psicólogo

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