
No conflito, preserve a criança
Nas últimas semanas tenho escutado histórias tristes de crianças sofrendo com brigas e separações de seus pais, marcadas por violência recíproca e descontrole, e que revelam o quanto os adultos, no turbilhão da dor, podem perder de vista o essencial: proteger os filhos. É um tema recorrente entre pediatras, educadores, psicólogos e mediadores familiares.
Vida de casal não é simples. Todos passam por crises, e algumas extrapolam nossa capacidade de manter a calma. São raros os que nunca passaram por um conflito mais intenso, com choros e gritos. Mas o clima de violência social crescente no Brasil e no mundo parece amplificar as tensões nas famílias, que explodem em descontrole e não raramente em agressões físicas, quase sempre contra a mulher. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra aumento constante desses casos.
E a criança, onde fica? Protegê-la deveria ser prioridade absoluta de ambos. Sua saúde mental e emocional depende disso. Mas o ódio cega, a mágoa descontrola, e os pais acabam ferindo justamente quem mais amam.
A alma de uma criança — o cerne da sua identidade — se constrói em grande parte a partir das representações que ela forma dos seus cuidadores primários, sejam pai e mãe ou outras figuras, em configurações familiares diversas. Quando ela testemunha brigas em que ambos se agridem e se destituem um ao outro, algo nela se rasga.
Quando o casal discute com rispidez na sua frente, especialmente sobre sua própria vida, ela se angustia. Afinal, quem deveria lhe apontar o caminho são aqueles dois adultos que ama e precisa sentir como porto seguro. Quando cada um aponta um rumo, o resultado é confusão, medo, fragilidade. E culpa — porque muitas vezes acredita que é a causa do conflito.
É muito importante preservar a criança, evitando a todo custo envolvê-la na briga. Esse tema é muito complexo, mas quero listar alguns princípios que podem ajudar, mesmo que óbvios (embora difíceis quando no olho do furacão):
1) Não discutam na sua presença; procurem chegar a acordos em privado. 2) Nunca falem mal do outro para ela. Separação pode ser uma oportunidade para ensinar respeito mesmo em momentos difíceis. 3) Jamais usem a criança para ferir o outro, uma forma de abuso grave e destrutivo. 4) Mostrem que o conflito não é culpa dela, uma fantasia comum e dolorosa. 5) Não tentem interferir na educação da criança quando está sob cuidados do outro. Só vai acirrar o conflito e fazer a criança sofrer. 6) Alinhem o básico: sono, telas, tarefas e limites devem ser semelhantes nos dois lares. Rotina previsível gera mais tranquilidade. 7) Falem a verdade no seu nível de compreensão e com esperança: “tudo vai se ajeitar”. 8) Acolham sua tristeza e ansiedade, que pode se expressar como rebeldia e agressividade. Ela está sofrendo e não deve ser punida por isso. 9) Autorizem o amor pelo outro: “tudo bem sentir saudade do papai/mamãe”. Demonstrem que é amada por ambos, mesmo que o amor entre os pais tenha acabado. 10) Não a usem como mensageira — combinados e logística são assuntos de adultos.
Nos primeiros tempos da separação, o ressentimento torna conversas e consenso muito difíceis. Nessa fase, é melhor reduzir o contato direto e, se necessário, buscar uma boa mediação. Em casos de abuso e violência, a intervenção da Justiça é indispensável. E se a criança demonstra muito sofrimento, apoio psicológico é essencial.
E vale lembrar: filhos de casais que se separam com harmonia têm as mesmas chances de serem felizes que os de casais que permanecem juntos. Isso implica em procurar ativamente minimizar o trauma, em garantir tranquilidade. Quando crianças percebem que continuam amadas por ambos e que o respeito é a regra, o chão se recompõe, a confiança renasce — e o futuro volta a ser um lugar seguro.
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