
Milhares de palestinos voltam para o nada em Gaza: 'Todas as memórias agora são apenas pó', diz moradora
Milhares e milhares de pessoas continuaram neste sábado a voltar aos lugares de onde fugiram no centro e no norte da Faixa de Gaza, no segundo dia do cessar-fogo entre Israel e o grupo palestino Hamas, na esperança de poder começar lentamente a retomar suas vidas destroçadas após dois anos de guerra. Em meio à devastação causada por ataques e demolições realizados por Israel, muitos chegaram ao fim da jornada apenas para descobrirem que já não têm mais casa nem qualquer lugar para se abrigar.
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Só à Cidade de Gaza, a agência de Defesa Civil do enclave estima que já retornaram 500 mil pessoas, das cerca de 700 mil que fugiram da região diante do ultimato de retirada israelense no início de setembro, antes da ofensiva contra a capital. A agência afirmou que não há barracas nem casas para alojar as pessoas e indicou já ter recuperado cerca de 150 corpos desde sexta-feira.
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A grande maioria dos deslocados está voltando a pé, dada a escassez de veículos e combustível em Gaza. Filas intermináveis com pessoas carregando o que podem tomam a única estrada que corta o território de norte a sul, atravessando áreas onde a destruição é a norma. Por enquanto, apenas 47% do enclave estão liberados para o retorno, uma vez que as tropas israelenses continuam a ocupar o restante, segundo os termos da primeira etapa do plano de paz do presidente dos EUA, Donald Trump, acordados pelo governo do premier de Israel, Benjamin Netanyahu, e o Hamas.
Longa e penosa jornada
Com o cessar-fogo, Raja Salmi pôs-se a caminho de casa na Cidade de Gaza, sem saber se ainda iria encontrar de pé seu antigo lar depois de semanas de bombardeio.
— Caminhamos por horas, e cada parada era repleta de medo e ansiedade por minha casa — disse ela à AFP, contando que quando chegou ao bairro onde morava, al-Rimal, descobriu que a casa tinha sido destruída. — Ela não existe mais. É só uma pilha de escombros. Fiquei ali de pé e chorei. Todas as memórias agora são apenas pó.
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AFP
ONU: 80% das estruturas destruídas
Segundo a ONU, cerca de 80% das estruturas de Gaza foram destruídas ou danificadas nos ataques israelenses na guerra — que incluíram uma campanha de demolições com tratores — e 70% estão inabitáveis. No Hospital al-Rantisi, na Cidade de Gaza, que trata crianças e pacientes de câncer, imagens da agência AFP mostram enfermarias reduzidas a montes de escombros, tetos destruídos e equipamentos médicos espalhados.
— Não sei o que dizer. As imagens falam mais alto do que quaisquer palavras: destruição, destruição e mais destruição — lamentou Saher Abu Al-Atta, um morador que retornou à cidade.
Apesar das cenas desoladoras, alguns tiveram um pouco mais de sorte. Sami Musa, de 28 anos, voltou sozinho para checar o que havia restado da casa de sua família na Cidade de Gaza. Pelo caminho, disse ter se sentido "em uma cidade-fantasma" e que "o cheiro da morte ainda permanece no ar". Mas ele ao menos ainda tem para onde voltar.
— Graças a Deus, descobri que nossa casa ainda está de pé, embora tenha sofrido algum estrago que podemos reparar — disse.
Em outros lugares, os palestinos que voltam encontram cenas semelhantes de devastação. A ONU estima que os dois anos de guerra deixaram cerca de 50 milhões de toneladas de escombros no território, e que vai levar ao menos duas décadas para remover tudo, a um custo de US$ 1,2 bilhão (R$ 6 bilhões). O volume de resíduos, estima a organização, é equivalente a 14 vezes o total deixado por todos os conflitos armados no mundo desde 2008.
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AFP
Em Khan Younis, no sul, incluída na zona liberada para retorno na primeira fase do acordo de paz, o prefeito Alaa al-Din al-Batta estima que 80% de sua área administrativa foram destruídos e que há 400 mil toneladas de entulho nas ruas. Segundo ele, 136 parques, jardins, praças e rotatórias de trânsito foram destruídos com tratores.
— Estamos com nove equipes abrindo as ruas, mas necessitamos urgentemente de equipamento pesado por causa da enorme quantidade de detritos bloqueando as estradas — disse ele em uma entrevista coletiva este sábado.
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