
Já foi vítima do 'mankeeping' no relacionamento? Entenda dinâmica em que mulheres se tornam 'terapeutas' dos companheiros
Em meio ao turbilhão de um divórcio litigioso, após 16 anos de casamento, a ficha da recepcionista Lilian Lima, de 39, caiu de forma abrupta. Ela percebeu, na terapia, que ao invés de esposa, havia se transformado em suporte emocional e salvadora do ex-marido. “Quis ser a resolvedora de problemas. Creio que pela minha baixa autoestima e porque havia uma diferença financeira grande entre nós. Ele ganhava bem mais”, explica a paulista.
A percepção de que algo estava errado veio quando Lilian se isolou dos amigos e teve muitas crises de ansiedade. Os cuidados constantes com o ex a fizeram esquecer de si, até adoecer. “Ele não procurava ajuda e tinha uma péssima relação com os funcionários de sua empresa e com a família. Comecei a ser tudo: mãe, amiga, psicóloga”, desabafa.
A dinâmica em que homens descarregam suas preocupações, problemas e bagagens emocionais nas mulheres não é nova. Mas o termo mais recente para defini-la, o mankeeping, criado pela psicóloga Angelica Puzio Ferrara, da Universidade de Stanford, em 2024, vai além. Segundo a especialista, elas exercem um trabalho invisível para ajudar os companheiros a manter laços sociais, registrar sentimentos e lidar com situações difíceis.
A recepcionista Lilian Lima, de 39 anos
Arquivo pessoal
“Dentro da família burguesa moderna, o papel da mãe e da esposa sempre tinha a ver com esse lugar de estofo emocional. Isso era exercido quase como uma obrigação moral”, explica o psicanalista Abilio Ribeiro Alves, do Rio. Outro agravante, continua ele, é a ideia machista de que “homens não choram”. “Eles foram educados para não acessarem suas fragilidades e vulnerabilidades. Quando se dão conta, já estão muito deprimidos.”
Mas desde a segunda onda do movimento feminista, nos anos 1960, que reivindicava condições igualitárias de trabalho, a legalização do aborto e o fim da violência doméstica, as mulheres estão virando o jogo. E rechaçam, cada vez mais, a responsabilidade e a sobrecarga mental na relação. “Na medida em que elas se sentem autorizadas a escolherem o que querem viver, os homens começam a ser confrontados. É importante que eles percebam que a mulher é um sujeito singular e também tem seus anseios e desejos próprios”, comenta Abilio.
Após seu último relacionamento, ironicamente, com um psicólogo, a publicitária paulista Renata Ferreira, de 41 anos, tem estado de olhos e ouvidos bem atentos. “Tínhamos uma troca muito verdadeira. Mas, num determinado momento, ele falava apenas do mestrado que queria fazer, e eu o incentivava. O tema foi ficando repetitivo, quase uma neurose”, ela conta. Quando se encontravam, o sujeito trazia sempre os mesmos anseios e reclamações, fazendo Renata se sentir uma conselheira. “Foi extrapolando. Eu só queria ser mulher, beijar na boca ou conversar sobre outros assuntos. Percebi que assumi um papel materno, ficou muito pesado.”
A publicitária paulista Renata Ferreira, de 41 anos,
Arquivo pessoal
Como toda construção social patriarcal, o mankeeping é daqueles movimentos que podem e devem ser retirados, aos poucos, da dinâmica dos casais. “Quando dizemos ‘sim’ para tudo, perdemos nossa identidade. Diga ‘não’ sem culpa. Ser suporte para o companheiro é uma escolha; escolho porque eu quero, e não por medo de ser abandonada, por exemplo”, ressalta a psicóloga e filósofa Flávia Ramos. Para ela, a pergunta mais importante é: quando uma mulher dedica a vida inteira a ser guardiã emocional do marido e da família, quem olha para ela? “Então, evite assumir automaticamente tantas demandas e permita que o companheiro resolva os próprios conflitos. É desconfortável no início, mas muito necessário.”
Afinal, crescer dói.
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