
Entre lattes e falsificações: entenda como a febre global do matcha desafia quatro séculos de tradição do Japão
Ao longo de quatro séculos, o Japão construiu uma tradição de beber matcha baseada em quatro princípios: wa, kei, sei e jaku — ou harmonia, respeito, pureza e tranquilidade.
Levou apenas alguns anos para que a febre mundial pelo matcha derrubasse esses valores e os substituísse por desarmonia, desrespeito, impureza e fraude.
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Empresas japonesas altamente respeitadas estão em guerra com dezenas de vendedores que revendem seu matcha por preços muito acima do varejo na Amazon, Facebook Marketplace e outros sites. Outros oferecem o equivalente a sachês de luxo de US$ 45, pacotes falsificados cheios de produtos de baixa qualidade ou chá comum moído até virar pó amarelo opaco.
Empresas de chá que construíram sua reputação ao longo dos séculos estão em desespero. A Marukyu Koyamaen, fundada por Kyujiro Koyama em 1704, luta contra falsificadores há oito anos, recorrendo à justiça e dificultando a cópia de suas embalagens.
"Algumas falsificações contêm chá verde em pó de baixa qualidade", disse Motoya Koyama, presidente da empresa e descendente direto do fundador, em entrevista por e-mail. "Seria um grande prejuízo se clientes acreditassem que esses produtos fossem da Marukyu Koyamaen."
Outras práticas, embora menos enganosas, são totalmente antitradicionais. Lattes e smoothies verdes são preparados com concentrados em lote (apelidados de batcha) e aromatizantes como pão de banana, causando arrepios nos puristas. Baristas inalam tanto pó verde que brincam dizendo que sofrem de "pneumonia de matcha".
“É como o Velho Oeste, porque há muitas incógnitas e novos concorrentes surgindo”, afirmou Sebastian Beckwith, importador da In Pursuit of Tea, empresa que comercializa matcha há mais de 20 anos.
Do chá artesanal ao fenômeno global
O matcha tradicional é protegido do sol por várias semanas antes da colheita, cozido no vapor e moído em moinhos de granito. O processo é meticuloso e sempre foi voltado a um público de nicho: cerca de 80% do chá cultivado no Japão é sencha, e apenas 6% é matcha.
Nos últimos cinco anos, porém, o chá ganhou popularidade maior fora do Japão, tornando-se estrela do TikTok e superando o café nos cardápios de cafeterias. Hoje, o país exporta mais da metade de sua produção. Segundo a empresa de pesquisa de mercado NIQ, as vendas de matcha nos Estados Unidos cresceram 86% nos últimos três anos.
Atacadistas atendem pedidos de cafeterias em Varsóvia e no Cazaquistão. Varejistas esgotam novas remessas em minutos. Com a demanda superando a oferta, práticas duvidosas se espalharam.
A rotulagem é quase totalmente desregulamentada, permitindo que produtos de baixa qualidade sejam vendidos como premium. Surgem classificações como "grau imperial" e "grau barista". Até o "grau cerimonial", popular fora do Japão, é criação de profissionais de marketing americanos, sem definição formal.
O matcha agora é produzido na Austrália, no Quênia e em outros países. Starbucks compra da China e da Coreia do Sul, além do Japão. Há matcha marrom, preto e branco, além do verde tradicional. Alguns desses produtos foram exibidos na Conferência Norte-Americana do Chá em Charleston, Carolina do Sul, no mês passado.
“Havia matchas de cores diferentes, e isso é um problema para muitas empresas japonesas que produzem a bebida”, afirmou Rona Tison, embaixadora de chá da Ito En, que participou do evento. “Não há diretrizes regulatórias.”
Consumidores sedentos e produtores em alerta
Você não perceberia escassez em Los Angeles, Washington ou Londres. A Starbucks reportou aumento de 40% nas vendas de matcha no primeiro trimestre de 2025 e lançou uma linha de bebidas proteicas com três sabores da bebida. A Blank Street Coffee reformulou visualmente seus cafés, adotando uma estética “full-on matchacore”, e as bebidas de matcha agora representam cerca de metade do faturamento da rede.
Em Manhattan e Brooklyn, é difícil virar uma esquina sem encontrar lattes de tiramisù matcha, névoas de baunilha matcha ou smoothies Mega Matcha fortificados com espinafre. Novos estabelecimentos surgem a cada mês: o 12 Matcha na Bond Street, a Matcha House na East 10th Street, a sorveteria Aoko Matcha na Bleecker Street e a loja Sorate no Flatiron, com matcha gelado em água de coco.
No Brooklyn, a distribuidora japonesa Kettl abrirá a Kettl Matcha Sen Mon Ten, dedicada à apreciação do matcha, com latas à venda na frente e degustações guiadas nos fundos. “É um produto artesanal como vinho, e eu queria um espaço focado nisso”, disse Zach Mangan, fundador da Kettl. Agricultores japoneses às vezes visitam para explicar o processo do chá e conhecer os lançamentos inspirados pelo TikTok.
O maior desafio, segundo Mangan, é lidar com a intensa demanda. O matcha mais cobiçado é moído na primeira colheita da primavera, quando as folhas estão mais doces. “Há realmente escassez de matcha de primeira colheita”, disse Ha
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