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Do K-pop ao samba: como a dublagem carioca dá sotaque brasileiro as produções coreanas

19/10/2025 07:31 O Globo - Rio/Política RJ

As produções audiovisuais sul-coreanas tomaram conta das plataformas de streaming disponíveis no Brasil e, com elas, uma nova vitrine se abriu para a dublagem carioca. “Miyeok-guk”, “Mió Guk” ou “sopa de algas marinhas”? Nos estúdios do Rio de Janeiro, tradutores, diretores e dubladores se debruçam sobre roteiros vindos do outro lado do mundo para fazer palavras, expressões e melodias distantes soarem naturais aos ouvidos brasileiros.
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Referência nacional no setor ao lado de São Paulo, o Rio se tornou um polo de adaptação de filmes, realities e séries coreanas. Mas, para que essa moda chegue ao público com jeito brasileiro, é preciso um processo longo, técnico e cheio de criatividade dos profissionais da dublagem.
— É comum pensar que a dublagem é uma tradução literal da obra original, mas não é. É adaptação. No coreano, por exemplo, a construção de uma frase é diferente da nossa. Você diz “eu coreano falo”, mas em português seria “eu falo coreano”. A dublagem é uma arte que começa na tradução — explica a tradutora Micaela Kim, conhecida como Mica.
Filha de pais sul-coreanos, Mica foi alfabetizada nos dois idiomas e mantém laços estreitos com a Coreia do Sul. Ela conta que começou na área em 2020, por acaso. Hoje, é uma das principais responsáveis por tornar familiares os roteiros coreanos ao público brasileiro.
— Um amigo produtor precisava de um tradutor de coreano e falou comigo, mas eu recusei. Queria fazer carreira em Tecnologia da Informação. Meses depois, com a pandemia, teve uma explosão nas demandas desse tipo de conteúdo. Ele voltou a falar comigo, mas dessa vez era para “apenas” revisar uma tradução. Não parei mais — relembra.
Do “Annyeonghaseyo” ao “Bom dia, tudo bem?”
Segundo Mica, o trabalho do tradutor de dublagem vai além de encontrar sinônimos. É preciso compreender ritmo, gestos, sons e cultura — e, acima de tudo —, ter criatividade para adaptar expressões que não possuem equivalência direta, algo comum na passagem do coreano para o português.
Quem assiste a um k-drama, por exemplo, nem imagina que um “bom dia, tudo bem?” pode ser a saída para o “annyeonghaseyo” original. Embora o trabalho esteja ligado ao lip sync — a sincronização da fala com os movimentos da boca — realizado pelo dublador, é o tradutor quem sugere o texto.
Tradutora Micaela Kim
Acervo Pessoal
— Se fosse pela tradução literal, essa expressão seria apenas um “oi”. Mas, para o lip sync, às vezes vira um “bom dia, tudo bem?” — explica Mica.
Os termos de afeto “ôppá” e “nuná” também entram na lista de adaptações criativas, pois não possuem equivalentes diretos:
Ôppá: usado por uma menina ou mulher para se referir a um irmão mais velho ou amigo próximo
Nuná: usado por um menino ou homem para se referir a uma irmã mais velha ou amiga próxima
Além desses, outra curiosidade é no sonido "RRR" — como se fosse a pessoa fosse arranhar a própria garganta. Os coreanos fazem este som quando querem dar ênfase ou exagerar. Segundo Mica, um bom exemplo para assimilar essa lógica é "essa comida tá muuuito gostosa".
— A dublagem está bem feita quando você escuta com naturalidade uma personagem estrangeira falar português. É o que acontece hoje com as produções coreanas, que já têm muitos fãs associando uma voz a determinado ator ou atriz. Mas, para isso, há muito trabalho envolvido — destaca o diretor de dublagem Eduardo Drummond.
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Hora da direção
Se você imagina o diretor de dublagem como um mero espectador privilegiado, saiba que a realidade é bem diferente. O processo da dublagem passa por várias etapas: o estúdio recebe o pedido, o roteiro original é traduzido e revisado, um profissional divide a obra em loops — pequenos trechos com 20 segundos de fala — e, só então, o diretor entra em cena.
Eduardo Drummond, Silvio Gonzales e Rafael Schubert, três dos principais nomes da direção carioca, explicam que muitas vezes “descobrem” a história quase junto com o público.
O diretor de dublagem tem acesso ao material original cerca de um dia antes da gravação. Por isso, em séries com episódios semanais, ele descobre a história praticamente ao mesmo tempo que o público. Ainda assim, é tempo suficiente para orientar os dubladores.
Rafael Schubert e Silvio Gonzales
Alexandre Cassiano
— Somos facilitadores. O dublador não tem acesso à obra com antecedência, então ele grava em cima do que aparece na hora — explica Rafael Schubert. — Precisamos passar o máximo de informações possíveis sobre o personagem e a história, além de ajudar no encaixe do lip sync — completa Silvio Gonzales.
Com mais de uma década de experiência, a dupla, que costuma assinar seus trabalhos em conjunto, explica também a diferença entre dirigir uma obra americana e uma sul-coreana — as duas maiores demanda

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