Dandara Queiroz fala sobre bulimia e representatividade indígena: 'Quero contribuir para o mundo'
No final do desfile de Ronaldo Fraga, na última São Paulo Fashion Week, Dandara Queiroz chorou. Não foi a primeira vez. Ela chora quando pensa no que representa estar na passarela e nas histórias de resistência que caminham com ela. “É a única coisa que consigo fazer quando entendo a magnitude disso tudo”, diz a modelo, atriz e cantora de 28 anos. Em uma década, passou de “estética não valorizada” a nome disputado por estilistas. Cavalgou lado a lado com Zendaya numa campanha da Lancôme (a brasileira gravou no Deserto do Atacama e a atriz de Hollywood, no Grand Canyon, mas a tecnologia resolveu a geografia); atuou na novela “No Rancho Fundo” e no especial “Falas da terra”, na TV Globo; roda o país interpretando Maria Cabocla no musical “Torto Arado”. E se encontrou nas próprias raízes. “Depois que eu fui para o mundo, quis entender o meu próprio, falar sobre ele, lutar.”
Foi um processo de reconexão. “A minha família tem origem indígena por parte de pai e de mãe, mas eu já nasci na cidade.” Natural de Araçatuba (SP), ela se mudou ainda bebê para Três Lagoas (MS), onde viveu até os 23 anos, quando, após vencer concursos de miss, recebeu um convite para trabalhar como modelo em São Paulo. Depois, estudou arquitetura, vendeu sorvete, trabalhou em escritório de seguros, cuidou de animais abrigados em um terreno da família.
Em São Paulo novamente, estranhou tudo: dos comentários sobre seu peso à hospedagem em um apartamento de gente que não conhecia. “Eu não sabia pegar metrô nem pedir Uber.” Pensou em voltar para casa, mas logo apareceu o primeiro comercial. “Ganhei em um dia o mesmo que minha mãe ganhava em um mês como bibliotecária.” Ficou.
Na sua primeira SPFW, lembra da emoção de vestir as roupas do projeto Ponto Firme, numa passarela montada no Museu do Ipiranga. “Coloquei a mão no chão e olhei para o céu em forma de agradecimento”, diz. “Uma mulher indígena entrar pela porta da frente do Museu do Ipiranga, em um desfile de uma marca que trabalha para integrar socialmente pessoas em situação de vulnerabilidade... Meu pai é ex-presidiário. Eu sei o quanto é difícil voltar para a sociedade.” Vieram outros desfiles, muitos.
Dandara não é de fingir costume. Nem de esconder dores. Conta que uma temporada de um mês na Alemanha não saiu como imaginava: conseguiu poucos trabalhos, sentiu-se sozinha e vulnerável. Desenvolveu compulsão alimentar e bulimia, que hoje trata com terapia e acompanhamento médico.
Na nova fase, aceitou o convite de uma tia para visitar uma aldeia tupi-guarani em Peruíbe (SP). Sentiu-se em casa de um jeito que não sabia ser possível. “Ali eu entendi o que é pertencimento”, afirma. “A minha família vem de um apagamento profundo e proposital.” O avô, segundo ela, evitava assumir a identidade indígena por medo de discriminação e exploração. “Ninguém falava sobre cultura na minha casa.” Passou a frequentar a aldeia e recebeu seu nome indígena: Ipuara. “Significa ‘som sagrado’. Depois disso aprendi a cantar.”
Tornou-se ativista de causas indígenas. Mas se incomoda com rótulos. “Ninguém me chama de atriz e modelo. Todo mundo fala atriz indígena, modelo indígena.” Não sente “uma empatia genuína da moda pela inclusão”. “Chegou um momento de necessidade da representatividade, então precisaram usar minha imagem para vender produtos.”
A relação pessoal com a moda é “confusa”. Usa sua visibilidade para falar — ou desfilar. Como na coleção de Flavia Aranha na SPFW. “Escolhemos a Dandara para fechar o desfile porque ela representa o espírito da floresta”, diz a estilista. “Os acessórios de milho representam um grão sagrado, a origem da vida. Na prova de roupa, ficamos emocionadas juntas.”
Os próximos passos são uma turnê internacional como modelo e o desenvolvimento de seu primeiro álbum musical. “Eu a vejo indo longe no que escolher fazer, seja como modelo, cantora ou atriz”, diz Anderson Baumgartner, diretor da WAY Model. “É dedicada como poucas."
Dandara segue em frente — mas primeiro toma um banho de arruda ou outra erva para ficar “blindada”. “Sou rapezeira, ayahuasqueira... Adepta de todos esses rituais que às vezes são mal vistos, mas sei o quanto isso preenche o meu coração e me torna uma pessoa de luz”, diz. “Quero contribuir para o mundo, não quero status. Mas com liberdade financeira, para poder viajar para onde quiser. Sou assim, sou do mundão.”
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