Crônica da morte anunciada
Caro povo de esquerda,
Saudações, parceiros. Estamos juntos — ou talvez não completamente na última semana. Fato: 2.500 policiais entraram no Complexo do Alemão. Foram recebidos com barricadas, tiros de metralhadoras e drones soltando granadas. Dos 121 mortos, quatro eram policiais. Os demais eram de outros estados ou da comunidade, a maioria com histórico criminal ou mandado de prisão. A foto mostra os corpos enfileirados, muitos só de cuecas, porque as roupas de combate, camufladas, foram retiradas.
Joaquim Ferreira dos Santos: Nossa Senhora do Complexo da Penha
José Eduardo Agualusa: Esperando os aliens
Nós sabemos o que leva um jovem a ser cooptado pelo tráfico. É a cruel combinação de racismo, corrupção, miséria, ignorância, falta de oportunidades, elitismo, sadismo, desigualdade. Por trás de um jovem do Comando Vermelho há sempre uma história trágica de subdesenvolvimento, mas na frente há um fuzil. E o fuzil não é teórico, o fuzil não é passado. O fuzil é de metal, está carregado, e quando um carioca se depara com um jovem assim não vai pensar — eis uma pobre vítima de um país desigual. Vai pensar: fudeu. Essa porra é uma guerra e eu estou na linha de frente.
O que está acontecendo no Rio é uma guerra de guerrilhas. Pelo meu Caldas Aulete: Guerrilha: conflito armado que não obedece aos padrões tradicionais e se caracteriza por ataques de surpresa, emboscada.
A desigualdade social não gera só injustiça. Ela gera barbárie. O poder público perdeu a mão. Os moradores estão sitiados. O Rio é uma cidade tomada por milícias e traficantes, onde ninguém é livre. O trocador de ônibus de Vila Valqueire, o juiz na Vieira Souto, o bancário da Tijuca, o empresário da Barra, a costureira do Borel. Somos todos reféns.
Ignorar que integrantes do Comando Vermelho atacaram os policiais com armamento pesado de guerra, e que morreram por causa desse ataque, é pensamento mágico. É manter-se num ponto cego que dará de bandeja o governo para a extrema direita. Ela saberá mexer nos botões corretos para ganhar o voto, e me refiro a medo, insegurança, a ilusão de que alguém enfim está fazendo algo, pela morte de centenas que serão facilmente substituídos por outras centenas, de novo e de novo.
Ruth de Aquino: Como dar dignidade às favelas do Rio
Ah, e quem é você para reclamar do Rio? A senhora aí da Califórnia? Bem, eu sou a senhora da Califórnia. Eu vivo em um país governado pela extrema direita, com a democracia em frangalhos. Foi o Partido Democrata que colocou Trump na Casa Branca. Por incompetência e inação, por não ter feito o suficiente quando estava no poder. Por também ter laços com os lobistas que impedem boas políticas públicas. Trump soube usar o medo e a divisão como cabos eleitorais. É uma cartilha e funciona.
Se o governo federal não meter a mão no vespeiro que o Rio se tornou, será acusado pela direita de apoiar criminosos. E vai, sim, pecar por omissão.
Pelas redes tem gente que chama o conflito de faxina e gente que chama de chacina. E enquanto se discute a etimologia da barbárie carioca, a direita se fortalece, no caminho para colocar no poder outro suplício de governador.
Termino com essa frase do Luiz Eduardo Soares: “O jogo está sendo jogado por caçadores de cabeça. Os fascistas precisam desesperadamente de uma saída política e eles a buscam na morte e no medo.”
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