'Achei que iam me matar', diz motorista de aplicativo que teve de buscar na favela carro todo sujo de sangue que havia sido roubado
Numa madrugada de abril, quando levava passageiros para Madureira, um motorista de aplicativo, que preferiu não se identificar passou por um grande sufoco. Ao passar nas imediações do Morro do Fubá, em Cascadura, quatro homens com fuzis pararam seu carro, obrigando todos a desembarcar. Assustadas, as vítimas fugiram. Relatos como esse mostram que nem quem está apenas de passagem fica imune aos problemas de regiões sob domínio do crime organizado.
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Em seguida, já em segurança, uma consulta à localização do veículo indicou que o automóvel ainda estava na região onde foi roubado. O carro era sua única fonte de renda e o ressarcimento do seguro poderia demorar. O motorista, então, foi tentar recuperar o bem. No morro, foi abordado por moradores, que ajudaram a acionar os criminosos. Àquela altura, o automóvel estava numa localidade chamada Fim do Mundo.
— Por volta das 4h, um cara disse que os bandidos me autorizaram a pegar o carro. Me ensinaram a subir o morro a pé. Eu fiquei com medo, porque não tinha uma alma na rua — relata o motorista, recebido por um suspeito. —Achei que iam me matar, fiquei desesperado, mas o traficante devolveu tudo e avisou que o carro estava sujo de sangue.
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Banco, painel e tapete do carona estavam cobertos de vermelho. Desde então, ele mudou sua área de atuação. Mas, três meses depois, viveu outro apuro ao cruzar uma barricada na Penha, após uma viagem. Dois homens armados ordenaram que ele desembarcasse, o interrogaram e revistaram o carro. Foi preciso ainda se justificar, por rádio, com um “chefe” local e ouvir palavrões. Agora, ele desistiu do ofício:
— Estou fazendo de tudo para nunca mais voltar.
Até a última quarta-feira, 17 motoristas de aplicativo foram baleados na Região Metropolitana do Rio, segundo o Instituto Fogo Cruzado. Doze morreram. Entregadores, motoboys e mototaxistas também são alvo: 13 foram baleados em 2025, com seis mortes.
A Amobitec, associação que representa o setor, ressalta que plataformas investem na busca por mais proteção nas viagens e que acompanha casos de restrição de acesso em áreas do Rio, sendo “favorável a iniciativas do Poder Público para coibir a violência”.
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Terror nos coletivos
Outro retrato da violência são os ônibus que têm chaves tomadas por criminosos, após serem atravessados na rua para atrapalhar operações policiais. Neste ano, isso já aconteceu com 146 coletivos na capital, número 30% maior que no mesmo período do ano passado (112), segundo dados do RioÔnibus. Atualmente, a área com mais casos fica nas imediações dos complexos do Chapadão e da Pedreira, região atendida pela linha 920 (Bonsucesso—Pavuna), a que foi mais vezes feita de barricada em 2025: sete ocasiões.
Um grupo no WhatsApp foi criado para os motoristas se comunicarem e, em dias de tiroteio, desviarem a rota. A bordo, esse é só mais um temor.
— Andei tendo gastrite, e o médico falou que é culpa do estresse da linha em que trabalho — conta um motorista da 920, que já teve o ônibus atingido por tiros. — Vemos muita gente armada. Já entraram no meu ônibus com fuzil e tudo.
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Há um ano, outro motorista foi obrigado a deixar passageiros da linha 721 (Vila Cruzeiro—Cascadura) a pé, para levar um grupo a um protesto, por ordem de criminosos:
— Levei o ônibus até a Glória, sob ameaça, e tive de esperar para trazer de volta.
Este ano, 338 motoristas solicitaram afastamento da função na capital, por trauma causado pela violência, segundo Sebastião José, presidente do Sindicato dos Rodoviários. É mais de um caso por dia. A entidade também ampliou a oferta de atendimento psicológico a rodoviários e seus parentes: antes, eram 25 por semana. Agora, são 60.
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