'Vou me cuidar, pai. Te amo', disse um dos mortos na Penha durante a megaoperação policial que deixou mais de 120 mortos
Em meio à fila formada por dezenas de corpos estendidos em frente a uma creche na Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, Zona Norte do Rio, um avô — que criou o neto como filho — contou que não conseguiu ver o cadáver de Jean Alex Santos Campos, o Café, de 17 anos, na manhã desta quarta-feira, pois já tinha sido removido pelo rabecão. O rapaz foi um dos mais de 120 mortos na megaoperação realizada pelas polícias Civil e Militar na Penha e no Alemão, a mais letal da história do estado, realizada na terça.
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Aos 63 anos, o homem, que preferiu manter o anonimato, contou que o filho sempre foi bom instrumentista e jogava bola.
— Mas dentro da comunidade, a gente acaba perdendo para isso aí (aponta para a fila de corpos). Você perde o filho duas vezes: uma quando ele já não consegue mais te escutar (e entra para o crime) e depois quando morre — desabafou, emocionado.
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Segundo o homem, ele chegou a enfartar recentemente , por causa dos "problemas" do filho, o que o afastou do trabalho.
— Falei com ele a última vez às 4h de ontem. Disse: "vou me cuidar pai, te amo muito" e mandou um coração. Depois não falou mais nada. Um amigo dele o viu sendo preso. Fomos na cidade da polícia ontem, mas o policial informou para a gente voltar hoje. E depois encontramos o corpo dele na mata — completou.
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Uma mulher, que também preferiu não se identificar, contou que não é parente de nenhum morto, mas que foi prestar solidariedade e ajudar amigos. A cena de corpos é algo que nunca viu igual em sua vida, nos 37 anos em que mora no Complexo da Penha.
— Não tem como não se compadecer. A gente quer mostrar a realidade que vivemos aqui. Tem morto com sinal de tortura. Três sem cabeça, outros com facadas, sem dedos. Só faço uma pergunta, para que o governad9r responda: o que é o certo pra ele? Na minha visão, isso não é certo
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Parentes vão ao IML
Parentes de mortos na operação caminham pela calçada em frente ao Instituto Médico-Legal (IML) Afrânio Peixoto, no Centro do Rio, na tarde desta quarta-feira para dar início à documentação e poder reconhecer os corpos das vítimas.
É o caso de Carol Malícia, moradora de Arraial do Cabo, na Região dos Lagos, que conta o drama de ter visto o corpo do pai de sua filha de 1 ano e 5 meses, Victor, estirado no chão da praça no Complexo da Penha. Segundo ela, o cadáver havia uma perfuração no peito e machucados grandes na cabeça e numa das pernas.
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— Disseram que o corpo pode ser liberado amanhã ou até depois — relatou Carol.
A mulher afirmou que Victor era envolvido com o Comando Vermelho.
Retirada de corpos
Desde as 21h desta terça, um grupo composto por voluntários e parentes de mortos na megaoperação está dedicado remover os corpos da Vacaria, uma área de mata no alto do Complexo da Penha, e a posicioná-los na chamada Praça do Inter.
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Os cadáveres estão sendo levados, além do IML do Centro também para os Institutos Médico-Legais (IMLs) do Centro do Rio, de Campo Grande, na Zona Oeste da capital, e de Niterói, na Região Metropolitana do estado. Parentes dos mortos estão sendo avisados que, por causa do grande número, a liberação dos corpos será demorada.
* Estagiária sob supervisão de Leila Youssef
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