
Todo mundo fala de Marajó, mas em MS taxa de estupro infantil é ainda maior
O arquipélago do Marajó, no Pará, se tornou símbolo nacional de denúncias de abuso e exploração sexual infantil após publicações e reportagens que expuseram a realidade de vulnerabilidade da região. Mas, enquanto o debate sobre o Marajó ganhou repercussão nacional, outros estados brasileiros, como Mato Grosso do Sul, registram índices ainda mais altos de violência sexual contra crianças e adolescentes. Não há dados específicos da média em Marajó, mas segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, o Pará ocupa a 7ª posição entre os estados com maiores taxas de estupro de vulnerável, com 51,7 casos a cada 100 mil habitantes. Já Mato Grosso do Sul aparece em 5º lugar, com 71,1 casos por 100 mil habitantes, superado apenas por Roraima (110,2), Acre (86,1), Amapá (78,5) e Rondônia (78,4). A diferença entre o Estado e o Pará e de quase 40%. O escândalo social em Marajó ocorre porque o arquélogo de 16 municípios está entre as regiões mais pobres do Brasil. Em algumas comunidades, mais de 60% das famílias vivem com renda inferior a meio salário mínimo. A vulnerabilidade econômica aumenta a dependência de meninas e adolescentes de homens adultos, o que perpetua relações abusivas naturalizadas, muitas vezes travestidas de “namoro” ou “ajuda financeira”. A realidade se assemelha em alguns aspectos às comunidades indígenas e de polos turísticos como Corumbá e Porto Murtinho, onde a exploração sexual está diretamente ligada ao turismo de pesca. Agora, uma nova preocupação surge: grandes obras de fábricas de celulose que transformam rapidamente cidades pequenas em Mato Grosso do Sul, como Inocência, Bataguassu, Ribas do Rio Pardo e Três Lagoas, além da Roda Bioceânica. A pesquisadora Estela Márcia Rondina Scandola, da Rede Feminista de Saúde e da Escola de Saúde Pública de Mato Grosso do Sul, explica que os números refletem uma falha coletiva na proteção de quem deveria ser prioridade. “Essas crianças e adolescentes não estão sendo cuidadas como o Estatuto da Criança e do Adolescente determina. O estupro de vulnerável é, na verdade, o estupro de quem foi deixado sem cuidado pela família, pela comunidade e pelo Estado”, afirma. Mesmo sendo o 9º estado mais competitivo do país, segundo o Ranking de Competitividade dos Estados elaborado pelo CLP (Centro de Liderança Pública), Mato Grosso do Sul carrega uma história marcada por diferentes formas de violência, lembra Estela. “Desde o genocídio indígena, passando pela guerra e pela expropriação de terras, até a exploração de imigrantes, a violência está presente na formação do Estado”, observa. Para Viviane Vaz, coordenadora do Projeto Nova, que acolhe vítimas de violência sexual, o bom desempenho econômico e educacional não se traduz necessariamente em proteção social. “A violência sexual está ligada a estruturas profundas, como desigualdade de gênero, poder e silenciamento. Mesmo em contextos com mais renda e escolaridade, o machismo e a negação da escuta persistem”, pontua. As especialistas também relacionam o avanço dos índices à ausência de políticas de proteção em áreas de grandes obras e empreendimentos, como a Rota Bioceânica e o Vale da Celulose. “Ninguém protegeu as crianças e adolescentes desses territórios. Sempre que há grandes obras, os índices de estupro aumentam, e isso mostra falta de responsabilização coletiva”, destaca Estela. Dados da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública) reforçam a gravidade: até 14 de outubro de 2025, foram registradas 1.556 vítimas de estupro em Mato Grosso do Sul, sendo 1.262 crianças e adolescentes. Entre as vítimas, 1.354 são meninas, e ao menos um caso resultou em morte. Em todo o ano de 2024, foram 2.651 registros de violência sexual, incluindo 2.171 menores de idade. O governo do Estado afirma que atua de forma integrada por meio do Protege (Programa Estadual de Prevenção e Enfrentamento à Violência contra as Mulheres), que articula ações de prevenção, acolhimento e responsabilização de agressores. Também foram implantados Centros Especializados de Atendimento à Mulher, à Criança e ao Adolescente em 12 municípios com altos índices de violência de gênero, entre eles Cassilândia, Costa Rica e Mundo Novo. Apesar dos esforços, Estela e Viviane defendem que os avanços dependem de mudanças estruturais, como a educação sexual nas escolas e a formação contínua de profissionais da rede de proteção. “Sem educação afetiva, cidadania e investimento real em políticas públicas, os números continuam altos, mesmo em estados considerados ricos”, alerta Viviane. Em casos de violência sexual contra crianças e mulheres, Disque 100 ou 180. Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para acessar o canal do Campo Grande News e siga nossas redes sociais .
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