
'RH do PCC' discutiu financiamento de passeata e monitorava briga da cúpula na prisão, aponta investigação
Mensagens interceptadas em investigações sobre o Primeiro Comando da Capital (PCC) revelam que a facção discutiu o financiamento de uma passeata em Brasília, cobrava o desempenho na venda de drogas e se mantinha informada sobre a briga entre os chefões presos em penitenciárias federais.
Medidas: Pacote ‘antifacção’ do governo amplia ações de segurança de olho em 2026
Investigação: Entenda como funciona o 'RH do PCC', setor descoberto a partir de mensagens apreendidas
O dia a dia da “Sintonia Final do Resumo”, nome pelo qual é conhecido internamente o “setor do RH” da facção, foi desvendado pela Polícia Civil de São Paulo a partir do conteúdo extraído dos celulares do traficante Michael Silva, o “Neymar do PCC”, responsável pelo departamento. Em outro inquérito paralelo, os investigadores monitoraram por meio de um grupo de WhatsApp chamado “Só Tapa” a rotina na venda de drogas nas “lojas”, como são chamadas as bocas de fumo.
Segundo o inquérito, o "Neymar do PCC" pediu a um contato "ajuda financeira" para cobrir os gastos de uma passeata em Brasília que "reivindicaria os direitos dos presos". O ato, de fato, aconteceu na Esplanada dos Ministérios, no fim de abril de 2024.
Mensagem mostra pedido para financiar passeata
Reprodução
"Amigo, sabe que eu ia te falar em cima do que meu padrinho te falou e eu também: de você e os amigos darem uma ajuda em cima da passeata que vai ter agora dia 28. Vai sair os ônibus para Brasília. Queria ver se você e os 'truta' vão ajudar mesmo, que temos que pagar os ônibus e comprar um lanche", diz a mensagem. O interlocutor respondeu que iria ajudar com R$ 3 mil.
"A utilização de recursos financeiros da facção para financiar atividades como a passeata em defesa dos presos reforça a mobilização do grupo para promover suas causas e ampliar sua influência", concluíram os investigadores.
Procurada, a defesa diz que ele é inocente e que a investigação é “desastrosa” e acumula “diversas nulidades, que serão arguidas em momento oportuno”.
Dois meses antes, Michael Silva recebeu informações sobre a briga interna que estava acontecendo na cúpula do PCC, detida em presídios federais. Ele foi avisado que “Abel, Tiriça e Wandinho” seriam expulsos da facção por “traição”. Os três — Abel Pacheco, Roberto Soriano e Wanderson de Paula Lima — teriam se rebelado e pedido a expulsão de Marcos Herbas Camacho, o Marcola, considerado o líder número 1 da facção. Isso levou o trio a ser "decretado" (jurado de morte), conforme as investigações.
"Os amigos vão excluir o Abel e o Tiriça e o Wandinho. Traição”, diz a mensagem enviada ao Neymar do PCC, em fevereiro de 2024. Naquela época, a rixa silenciosa era tratada nos bastidores das unidades prisionais.
Conforme a Polícia Civil, a “Sintonia Final do Resumo” era responsável por passar orientações sobre posicionamentos eleitorais, definir regras para o mercado de drogas, planejar expansão territorial a outros estados, financiar o custo das “filiais” e aplicar sanções contra quem violava o Estatuto da facção. Em um vídeo obtido pelos investigadores, um traficante é executado após ter desafiado integrantes da facção numa boate e gritado ser “contra o primeiro”, em referência ao PCC.
'Não fica me acelerando'
Em outra investigação que mirou no varejo de drogas em São Paulo, os investigadores se depararam com traficantes que atuavam como "fiscais" e "auditores" dos pontos de venda de droga.
"Tá tendo recolhe? Como é que tá aí? Deu uma brecada no recolhe, tá acontecendo alguma coisa?”, cobra o responsável pela boca de fumo em uma mensagem enviada em abril de 2025. Em outra conversa, ele reclama que não havia sido feito nenhum "recolhe" pela manhã.
O "recolhe" se referia ao dinheiro que costuma ser apanhado diversas vezes por dia nas bocas de fumo. O objetivo é evitar apreensões de dinheiro por parte da polícia.
Diante da cobrança, alguns traficantes se queixavam da pressão . "Já falei para você lá na toca, tá metendo o louco. Não fica me acelerando, não", diz o criminoso que desempenha a função de "abastecedor" de drogas.
Esses traficantes foram alvos de mandados de prisão em uma operação deflagrada nesta semana chamada "Auditoria". O "Neymar do PCC", por sua vez, foi preso em agosto de 2024. Na ocasião, os agentes apreenderam um carro, joias, uma balança de precisão e os “celulares sujos”, como ele mesmo costuma chamar os aparelhos registrados no nome de terceiros e usados para discutir o dia a dia do crime. Um mês antes da prisão, ele enviou uma mensagem a um subordinado mandando que ele destruísse três telefones e os lançasse no Rio Tietê.
Fonte original: abrir