
O que é a ‘maldição’ do Homo sapiens? Biólogo explica como a mente humana gera sofrimento e nunca nos deixa satisfeitos
Em algum ponto da vida, todos já sentiram aquela inquietação constante: mesmo alcançando objetivos, a satisfação parece durar pouco, e o próximo desejo surge quase automaticamente. Não é verdade?
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Para Emiliano Bruner, biólogo especializado em antropologia evolutiva e neurociência, essa sensação não é apenas psicológica — é fruto de milhões de anos de evolução. Em entrevista ao The Formula Podcast, o pesquisador espanhol explicou, com base em sua obra A Maldição do Homem-Macaco (2025), como nossa capacidade de imaginar, projetar e planejar cria um “Rádio Sapiens” interno que nunca se cala, gerando insatisfação crônica.
Desejo, insatisfação e evolução
De acordo com o Infobae, Bruner descreve o desejo como o motor da vida humana: “Se estivéssemos plenamente satisfeitos, pararíamos de desejar e, com isso, pararíamos de gerar a energia vital que nos impulsiona”, disse durante o podcast, disponível no Spotify e YouTube. Para ele, nossa mente complexa, capaz de projetar o passado e o futuro, favorece a espécie, mas pode ser prejudicial para o bem-estar individual. O resultado é uma tensão constante entre inteligência e sofrimento, um efeito colateral da seleção natural.
Ao abordar o papel da meditação e da atenção plena, Bruner enfatiza que essas práticas não se destinam apenas a reduzir o estresse. “Meditação e atenção plena são uma maneira de usar seu próprio corpo como um laboratório. Elas treinam a atenção e a consciência corporal, permitindo observar a ruminação mental sem se deixar consumir por ela”, explicou. Segundo o pesquisador, os benefícios se manifestam em diferentes escalas de tempo: mudanças fisiológicas podem ocorrer em minutos, enquanto alterações estruturais cerebrais surgem com meses ou anos de prática regular.
Bruner destaca que a rede de modo padrão, responsável pela nossa divagação mental, compete pelos mesmos recursos do corpo que a atenção plena. Treinar a atenção é, portanto, essencial para gerenciar o fluxo de imagens e palavras internas, equilibrando cognição e corpo. “Ninguém nos ensinou a controlar isso, então precisamos aprender a nos sentir confortáveis com o silêncio e com as ruminações”, afirma o cientista, que combina anatomia digital, morfometria geométrica e análise de redes para estudar a evolução do cérebro humano.
Meditação além do alívio do estresse
Para o pesquisador, a prática meditativa vai além do relaxamento: ela transforma nossa perspectiva diante dos problemas e das pressões da vida cotidiana. “Gradualmente, você começa a ver as coisas de forma diferente, e sua vida profissional ou pessoal não o sobrecarrega mais. Os problemas não são resolvidos; eles desaparecem”, explicou. Bruner lembra ainda que essa prática exige dedicação contínua, comparável ao cuidado com a saúde física: quanto mais consistente a prática, mais profundos os efeitos sobre a atenção, o bem-estar e a resiliência mental.
Por fim, o biólogo ressalta o paradoxo evolutivo que torna a meditação desafiadora para a sociedade: a seleção natural favoreceu um “macaco inteligente e triste”, capaz de obsessões e compulsões que aumentam o sucesso reprodutivo, mas dificultam o cultivo de hábitos de atenção plena e reflexão profunda. “Se a espécie humana quisesse se beneficiar da meditação, provavelmente a seleção natural não favoreceria isso”, conclui, lembrando que a inteligência, apesar de poderosa, carrega consigo o peso da insatisfação crônica.
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