Comissão Interamericana de Direitos Humanos condena megaoperação no Rio e OAB-RJ cria observatório para acompanhar desdobramentos da ação
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) se posicionou contra a megaoperação policial nos complexos da Penha e do Alemão, Zona Norte do Rio, na terça-feira (28), considerada a mais letal da história da cidade. Foram 121 mortes: 117 suspeitos e quatro policiais, além de 113 prisões. Em comunicado divulgado nesta sexta-feira (31), a entidade diz que "condena veementemente o número extremamente alto de mortes registradas no contexto da 'Operação de Contenção'. E cobra do Estado uma investigação "imediata, diligente e independente dos acontecimentos, considerando toda a cadeia de comando", a responsabilização dos responsáveis e a reparação integral às vítimas e a seus parentes. A OAB-RJ, por sua vez, anunciou que criou um observatório para acompanhar os desdobramentos da ação.
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A comissão diz que "relatórios públicos indicam que a maioria das vítimas eram homens; vários deles apresentavam ferimentos por disparos na cabeça e outros indícios que sugerem possíveis execuções extrajudiciais".
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A operação e a ação de grupos criminosos em retaliação tiveram um impacto na vida cotidiana, incluindo restrições à mobilidade, suspensão do transporte público, fechamento de escolas e redução do acesso aos serviços de saúde, "afetando de forma desproporcional as populações afrodescendentes e de baixa renda", critica a entidade.
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Para a CIDH, a operação "reflete um padrão persistente de violência policial no Rio de Janeiro".
"Em 2024, as Polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro teriam estado envolvidas na morte de 703 pessoas; entre janeiro e agosto de 2025, em mais 470. Dados oficiais indicam que 86% das vítimas de 2024 eram pessoas afrodescendentes. A Comissão destaca que esses números revelam uma conduta reiterada de perfilamento racial e a persistência de um modelo de segurança baseado no uso excessivo da força e na criminalização da pobreza", destaca o comunicado.
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A CIDH diz ainda que reconhece a gravidade da atuação do crime organizado e o seu impacto sobre a plenitude dos direitos humanos. No entanto, pondera, manifesta preocupação com a persistência do paradigma de “guerra ao crime”, que "desumaniza as vítimas e tem se mostrado ineficaz enquanto estratégia de segurança pública para reduzir os níveis de violência". Nesse contexto, diz, "é urgente que as autoridades brasileiras, incluídas as estaduais, reformulem suas políticas de enfrentamento ao crime organizado com foco nos direitos humanos, em abordagens centradas nas vítimas e na participação social, conforme aos padrões interamericanos".
A comissão destaca iniciativas importantes voltadas à redução da letalidade policial e à adequação das políticas de segurança pública aos padrões internacionais de direitos humanos, como a decisão do Supremo Tribunal Federal conhecida como “ADPF das Favelas”, que reforça a supervisão das operações policiais e os mecanismos de responsabilização; e P roposta de Emenda Constitucional sobre Segurança Pública, apresentada pelo Governo Federal ao Congresso Nacional em abril de 2025, que busca estabelecer diretrizes gerais e possibilitar a criação de instâncias independentes de controle e de ouvidorias.
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A Comissão recorda que, de acordo com os padrões do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, o uso da força pelo Estado deve observar os princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade e responsabilização. No caso da chacina da favela Nova Brasília, em 1995, a Corte Interamericana estabeleceu a responsabilidade internacional do Estado por execuções extrajudiciais e ordenou a adoção de medidas estruturais para garantir a não repetição. Assim, a CIDH "reitera a necessidade de reformar os protocolos policiais sobre o uso da força, priorizando táticas voltadas à redução da letalidade e à proteção da vida, e de assegurar que o Ministério Público conduza diretamente as investigações criminais, com peritos independentes tendo pleno acesso às provas e aos procedimentos".
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